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A cadeia produtiva, a indústria e o mercado do livro na Era Digital

O texto a seguir é a parte I do artigo “O Livro na Era Digital” baseado na palestra que Ednei Procópio ministrou em uma edição da Quinta Literária na Associação Nacional de Escritores (ANE), Brasília; e publicado, originalmente, no livro “Quintas Literárias 2017”. Editora Otimismo. Páginas 119 a 143.

Por Ednei Procópio

O Livro na Era Digital

Parte I

Leia a Parte II
Leia a Parte III
Leia a Parte IV
Leia a Parte V
Leia a Parte Final

A cadeia produtiva, a indústria e o mercado do livro na Era Digital

O texto a seguir também poderia chamar-se A Cadeia Produtiva do Livro Antes e Depois da Web, porque embora possa haver certa tendência em pontuar o mercado editorial e, portanto, sua nova cadeia de valor, antes e depois do eBook, como se a primeira geração de Reading Devices (SoftBook, Rocket eBook ou Sony LIBRIè) ou mesmo a segunda geração (Sony Reader, Amazon Kindle ou Kobo) tivesse influenciado acidentalmente os rumos deste mercado; o mais acertado, porém, seria pontuar o mercado editorial antes e depois da Internet.

A Internet é o único divisor de águas que pode ser levado em conta se quisermos fixar um ponto, um marco zero, para compreender de que maneira a evolução nas comunicações influenciou toda uma indústria de entretenimento, incluindo as indústrias cinematográfica, fonográfica e gamística. A Internet virou o mundo de ponta cabeça, inverteu os polos da Terra, revolucionou as telecomunicações, a telefonia, a radiodifusão e a televisão.

A Internet congestionou até o espaço aéreo por onde trafegam as ondas eletromagnéticas dos sistemas de informação. Devemos, portanto, sempre pensar nos rumos do mercado cultural, em particular aqui o de livros, porque o mercado da leitura inclui outras mídias como os jornais e as revistas, antes e depois da Internet. Assim como o avanço da tecnologia de energia a vapor tornou possível mais tarde o período conhecido na História como a Revolução Industrial, a Internet se tornou símbolo de um período atual que tem se firmado como um período de a Revolução Digital.

Desta evolução no modo como o homem se comunica, registra informação e conhecimento, e compartilha experiências tantas, como a pesquisa e o desenvolvimento científico, se tem dado comumente o nome de Sociedade da Informação. Em um contexto, portanto, de Sociedade da Informação, é que devemos pensar o livro como objeto de cultura ou produto de entretenimento. Enfim, em um novo artefato.

Autor de um livro só?

Antes do advento da Internet, o modo como o autor obtinha o insight para a escrita de um livro era diferente, propositalmente mais lento, mais demorado e até, de certo modo, mais consistente. A pesquisa para a construção e o desencadeamento de ideias, cenários, teses, personagens, era baseado em uma bagagem cultural limitada em termos de acesso ao conhecimento, não no seu acúmulo, mas concisa e segura em termos de qualidade na escrita e informação.

O autor mantinha o papel de apenas escrever os livros. E embora isto possa hoje nos parecer bastante óbvio, ou redundante, o papel do escritor perante a sociedade, e até inserido dentro do mercado editorial, era muito bem definido, para não dizer limitado, com o status de um sujeito inteligente, culto, amante das letras e, portanto, célebre pela efetivação de seu árduo trabalho. No ato de manuscrever ou de datilografar o seu texto, enfim, de compor a sua obra, o escritor ou tinha uma espécie de catarse criativa ou recebia aquela inspiração divina digna dos poetas escolhidos pelo destino. Tanto o ato da escrita, quanto o exercício da profissão eram vistos como divinos, especiais, e muitas vezes poéticos.

Este cenário, com um processo de produção e escrita que se manteve moroso, embora bastante eficaz, veio até o final da década de 1980, quando os escritórios em geral e as editoras, exatamente por essa influência externa por parte da indústria de tecnologia, começaram o seu lento processo de informatização. Começando pela aquisição em massa dos aparelhos de fax cujo uso iria perdurar por duas décadas seguintes tendo o seu final com a invenção do correio eletrônico, em especial inicialmente por um software criado pela Microsoft chamado Outlook.

Na Era Digital, mais tarde, o escritor quase que perde sua principal função que seria a de escrever o livro, pois, além de escrever, neste cenário atual de rompimentos das barreiras, o autor atualmente também tem a possibilidade de se autopublicar, e pode ele mesmo divulgar a sua obra através de poucas, mas eficientes, ferramentas de comunicação; e também há muitos cases de sucesso em que o próprio escritor até vende e comercializa a sua própria obra.

Não é o caso discutirmos aqui, ainda, as implicações editoriais que influenciam diretamente na qualidade do conteúdo e do próprio livro nesta fase de desintermediação autor/editor. O fato, asseguramos, é que, neste período, de transição entre a publicação convencional e a autopublicação. Esta mudança de cenário trouxe problemas devastadores para o mercado editorial convencional, sempre seguro dos rumos de seu próprio futuro.

Este período de desintermediação autor/editor, cujo processo fez aumentar o número de títulos disponíveis sem qualidade editorial, colaborou por minar muitos negócios e aumentou devastadoramente a concorrência interna do próprio mercado. E culminou, somente no Brasil, com um exército de aproximadamente dez mil escritores sem casa editorial tradicional para publicar as suas obras nos períodos da década de 2000. Hoje, os próprios escritores, utilizando-se de ferramentas como o Kindle Direct Publishing (KDP), forçaram a redução no preço de capa dos títulos digitais acentuando ainda mais a ruína de um mercado vítima da precificação canibal de plataformas como a da Amazon.com.

Felizmente, porém, um cenário futuro, promissor, apontava para uma possibilidade mais rica de publicação de obras através de plataformas atrelada a curadoria literária, ou seja, onde o editor voltaria a estar presente no processo de publicação das obras, e um modelo de negócio rentável também ao autor, antes a principal vítima do fantasma da pirataria. O que não poderia se vir previsto talvez fosse um maior entendimento por parte de alguns escritores, muito bem informados e posicionados, que anteviram a crise do mercado editorial e passaram eles mesmos a cuidar de sua própria carreira literária.

Nascia assim a Gestão da Carreira Literária.

As razões para um novo e promissor cenário vão desde o surgimento de novas plataformas de publicação até o aquecimento do próprio mercado digital. Com o surgimento dos canais de venda online da Amazon e Google, editorias necessitarão cada vez mais de conteúdo, digital ou impresso, e de qualidade. Para atender a demanda a editora precisará investir na revisão e negociação de antigos contratos, além da digitalização e conversão das obras para os formatos modernos.

Em uma manobra, tanto para ganhar tempo e economizar em custos com as traduções quanto para aumentar o seu catálogo de títulos em um período menor, as editoras devem apostar em novas edições já operando dentro de um modelo que deve seguir a tendência de fechar contratos com os escritores nacionais. Uma vez que a globalização atingiu níveis complexos, a tendência, observada em diversos países que tiveram que repensar as suas estratégias frente à concorrência dos players globais, é haver a necessidade no fortalecimento dos mercados regionais e locais. Nesse contexto, haveria uma maior possibilidade das editoras assinarem um contrato novo que contemple edições em novas mídias, do que revisar e negociar um contrato antigo. E há menos custo em lançar um livro de um escritor nacional se comparado aos adiantamentos necessários quando se traduz um título de fora.

Outro fator que deve ajudar na valorização dos autores nacionais é o aumento acelerado no consumo de novos suportes com os tablets, e-readers e smartphones, já considerados como meios alternativos à circulação, compra, venda, consumo e leitura dos livros. Um mercado antes praticamente estagnado, com as suas portas literalmente fechadas para o escritor nacional, tinha agora a possibilidade de crescer frente a um novo cenário de novos consumidores. Alternativas, e meios, ao tradicional poderia aquecer um mercado que até bem pouco tempo se negava a investir nos títulos originalmente escritos em português, em detrimento dos best-sellers estrangeiros.

Mas para aproveitar as oportunidades que ainda estão em curso, os escritores também terão que aprender a abandonar velhos hábitos. O primeiro deles é não esperar pela publicação de seu livro. Uma vez que as plataformas digitais democratizam os canais de vendas, e a partir da revolução imposta pelas novas mídias, nenhuma editora é tão grande que não possa ser facilmente superada por qualquer outra, antes dita pequena, se esta também oferecer aos leitores um catálogo interessante, popular e acessível.

A publicação antes da autopublicação

Antes da Era Digital só havia um único canal por onde os autores poderiam publicar as suas obras: através da impressão de seus livros, cujo poder da seleção dos títulos estava nas mãos de editores que controlavam os meios de produção e, também até em certo aspecto, a mensagem nos livros contida. Nesta época, sentíamos o mundo mais lento. E até o ato de enviar um fax exigia uma boa dose de paciência. A morosidade na seleção das obras era um dos problemas enfrentados pelos escritores, ou seja, a seleção realizada pelos editores era um problema para os escritores apenas pela demora. A qualidade na curadoria dos conteúdos, porém, era uma das vantagens para os leitores.

Eram raros os casos de autopublicação, as antigas Edições do Autor, que se tornavam casos de sucesso. Autores como Paulo Coelho, Monteiro Lobato, para citar alguns autores mais veteranos, e André Vianco e Eduardo Sphor, para citar cases mais contemporâneos a esta fase, são exemplos de escritores que durante algum momento de suas carreiras optaram pela autopublicação, cujo termo foi mais tarde americanizado para self publishing.

O fato é que a autopublicação sempre existiu. Ela apenas ficou adormecida durante o período em que a mídia editorial, hoje chamada tradicional, ficou nas mãos de intelectuais que se asseguravam serem os donos do conhecimento. Mais tarde, a autopublicação se fortaleceu com a intensificação e identificação de gerações futuras com o conceito de ‘Do it Yourself’ inspirado em figuras como Chris Anderson e Michael Hurt.

Antes da Era Digital era fácil separar o que era a ‘mídia editora’ e o que era a ‘mídia imprensa’. O autor tinha, portanto, poucos caminhos a seguir se quisesse ver sua obra publicada. Alguns escritores como, por exemplo, Machado de Assis e Euclides da Cunha optaram por publicar sua literatura através da mídia impressa. Há centenas de exemplos de contos, crônicas, poesias, etc., que passaram antes pela mídia imprensa até tornarem-se clássicos da literatura. De qualquer modo, os canais eram únicos e decisivos.

Depois da Era Digital, porém, canais se multiplicaram e o autor descobriu outros meios como bibliotecas digitais, eBookStores com ferramentas de autopublicação adicionadas, websites com curadoria literária, blogs, podcasts e mais uma infinidade de possibilidades em canais de gigantes da Indústria de Tecnologia que mais tarde também migraram para o mercado editorial e, literalmente, tomaram este mercado de assalto com a singela alcunha de big players.

O fato é que há um período de desintermedição da publicação das obras que escorregou da tradicional mídia editora e esfarelou-se em um emaranhado de players, plataformas, canais e mídias interativas. Se pudéssemos voltar no tempo seria como se literalmente cada autor tivesse uma prensa aprimorada por Gutenberg em mãos. Seria como se cada prensa fosse ao mesmo tempo um meio de produção e um meio de escoamento e de circulação de livros. Este hiato entre a desintermediação do mercado editorial até um novo cenário que eu chamaria de Gestão da Carreira Literária, onde o autor e o editor tomariam de volta a responsabilidade na curadoria de conteúdo, praticamente acabou de vez com o antigo sonho de que o livro fosse algo mágico, único, sagrado e inatingível; mas ao mesmo tempo levou o livro ao patamar do mais importante, nobre e imortal artefato cultural humano.

Este texto é parte do artigo “O Livro na Era Digital” baseado na palestra que Ednei Procópio ministrou em uma edição da Quinta Literária na Associação Nacional de Escritores (ANE), Brasília; e publicado, originalmente, no livro “Quintas Literárias 2017”.

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