Ednei Procópio aponta preferência do mercado editorial digital, mas destaca a soberania dos leitores
Por Frederico Bottrel
Entrevista publicada no Estado de Minas | 04/11/2010, às 17:27
O IMPORTANTE É O CONTEÚDO
A questão do conteúdo é soberana na discussão sobre o avanço dos tablets sobre os velhos e bons livros de papel. As pranchetinhas digitais, é claro, só farão sentido à medida que houver o que se ler nelas – de maneira fácil e acessível. Polêmicas com as estratégias de produção, distribuição, divisão dos direitos autorais e incertezas diversas são marcas dessa história recente no Brasil, enquanto a indústria gráfica ainda é recalcitrante diante do tema. O especialista Ednei Procópio, autor de O livro na era digital, esteve em Belo Horizonte na última semana, para debater o assunto com profissionais da indústria gráfico-editorial, educadores e interessados, a convite da Câmara Mineira do Livro. Em conversa com o Estado de Minas, Procópio apostou na preferência pelos e-readers em relação aos tablets por parte das editoras. Elas, aliás, na opinião dele, já passaram da hora de repensar seus velhos modelos de negócios.
E-readers
Os leitores de e-books têm tela opaca, que imitam o contraste de papel, para garantir conforto na leitura. São normalmente dedicados à leitura de documentos.
Quando o .MP3 surgiu comercialmente, nos anos 1990, a indústria fonográfica duvidou do potencial do formato. E hoje ela paga um preço alto por isso. O mesmo pode ocorrer com a indústria gráfica diante dos e-books?
O .MP3 se tornou, naturalmente, o arquivo padrão de tráfego de músicas na internet sim, mas o formato .MP3 foi apenas, digamos, o catalisador de todo um cenário que já vinha se desenhando não só para a indústria fonográfica. Ela, na verdade, já estava com um modelo de negócios que não acompanhava os novos cenários da digitalidade. E não podemos nos esquecer dos programas de compartilhamento entre usuários, o que facilitou o tráfego do formato .MP3. Já a indústria gráfica voltada à produção de livros especificamente falando precisa sim repensar o seu modelo de negócios na era da internet. Mas façamos jus à verdade: a produção de material impresso continua ainda viva, independentemente do advento dos e-books, que já somam 10 anos de um mercado incipiente.
Tradicionalmente, a indústria gráfica e o mercado editorial privilegiam títulos que possam se tornar sucesso. Todo mundo quer publicar um best-seller que cubra os altos custos de produção e, claro, garanta um bom lucro. O barateamento da produção, no caso dos e-books, que dispensam papel e impressão, pode impactar na democratização da atividade?
O mercado editorial privilegia títulos que têm um apelo comercial maior e cujo nível de interesse possa atingir um público-alvo identificável. Isso facilita o trabalho de comunicação da editora e até o seu contato com a imprensa. Portanto, é natural haver títulos best-sellers. Afinal, os leitores os querem, embora a maioria do catálogo das editoras continue circulando de um modo mais modesto e com um timing diferenciado. O e-book não tem toda a sua cadeia produtiva barateada. Quando a editora decide publicar um livro na versão digital – por exemplo, no formato ePub –, os custos de seleção de originais, leitura crítica, copidésque, revisão, diagramação, imagens, capa, ficha catalográfica e composição final [com ou sem uma estética multimídia] estão todos lá. E há um custo que dobra quando se faz um livro em dois formatos distintos, o .PDF [para impressão] e o ePub [para e-readers]. Investir em best-sellers, tanto na versão impressa em papel quanto na versão eletrônica, continua, sim, sendo lucrativo. O que diferencia é o custo, que determina o maior ou menor lucro.
Como você avalia o ritmo de adesão da indústria gráfica brasileira aos novos formatos?
A indústria gráfica já aderiu há algum tempo à tecnologia por meio das máquinas portáteis de impressão sob demanda. O sistema de print on demand, que utiliza arquivos digitais em versão .PDF para a impressão sob demanda de livros, tem recebido altos investimentos de toda a indústria gráfica há uma década. Com a democratização da tecnologia e a miniaturização das máquinas, é possível hoje que um único exemplar de um determinado título seja impresso utilizando-se a tecnologia digital.
O ePub, o formato padrão proposto pelo International Digital Publishing Forum [IDPF], é um consenso?
O padrão ePub já tem uma história de 10 anos. Nasceu em 1998, de um consórcio firmado por empresas de tecnologia da informação e outras empresas do ramo editorial. Hoje, felizmente, o ePub é, para o mercado editorial, tecnicamente, um consenso. Mas ainda há dúvidas com relação aos custos de conversão de livros para esse novo formato, o que é caro por conta da falta de mão de obra identificada no mercado.
Por um lado, o Kindle busca trazer uma experiência de leitura confortável, com a tecnologia da tinta eletrônica. Por outro, o iPad procura assumir que é uma tela brilhante, colorida e vira espaço para os livros que exploram a interatividade, o toque do dedo, a narrativa marcada pelos hiperlinks. As diferenças entre a experiência de leitura digital e a leitura no papel devem ser amenizadas, como no Kindle, ou supervalorizadas, como no iPad? Quem ganha a briga?
O Kindle, assim como o Sony Reader, é equipamento dedicado inteiramente à leitura de livros digitais. O iPad não é um e-reader, não é um leitor dedicado. O iPad cai numa outra categoria de produtos, os tablets, cujo conceito, há mais de 10 anos, a indústria de tecnologia tenta inserir no mercado como um novo modo, portátil, de consumir mídia em geral. O Kindle não é o único leitor dedicado do mercado e nem foi o primeiro; assim como iPad não é o único e nem foi o primeiro tablet a ser lançado na história da indústria de tecnologia. Para o bem do mercado editorial, o mais interessante são os produtos da linha e-reader. Porém, no final, quem define qual produto se tornará mais popular para a leitura de livros é o consumidor, é o usuário.