Às vezes invejo aqueles que trabalharam e respiraram o ar do Vale do Silício. Aqueles que fizeram parte da história num vale inventivo, improvável e rico em ideias. Menlo Park, Palo Alto, Silicon Valley, são para mim locais que inspiram, sempre citados nas histórias que ouço e leio quando pesquiso sobre a infância da indústria de tecnologia dos eBooks.
Antes do advento dos displays ultrafinos, coloridos e sensíveis ao toque dos dedos, fabricados na China, dezenas de projetistas, cientistas e engenheiros estiveram enfurnados [ora em garagens, ora em laboratórios], na Califórnia, tentando criar um modo de escrever e desenhar em telas eletrônicas; tentando mimetizar o papel e o lápis em todos os sentidos.
A Nuvomedia, uma das empresas que mais me inspiram, nasceu e faliu na Califórnia. Ela criou o Rocket eBook Pro, um dos mais fascinantes sistemas de publicação de livros digitais já inventados. Sua morte começou em março de 2000, quando foi adquirida pela Gemstar International Group que, pouco tempo depois passou o projeto pra frente.
Malditos especuladores financeiros.
A propósito, a história dos livros digitais vem sendo escrita a meio século e ainda hoje ouço gente, do mercado editorial inclusive, emitindo opiniões muito superficiais sobre como não pode viver sem o cheiro do papel [!]. E, se não bastasse, esta chatice agora vem sendo substituída pela fetiche dos hardwares. A primeira é a biblionecrofilia, e a segunda é a iPadmania. Opiniões medíocres vem de todos os lados e é difícil ter de aturar tanta superficialidade em nome dos bons negócios.
Isso sem falar em pseudo-jornalistas [aqueles que já vem com pré-julgamento sobre o tema, na hora de te entrevistar] e que no resultado da matéria apanham meia dúzia de palavras-chaves, de um dicionário viciado, com expressões como “Kindle, da Amazon”, “Nook da Barnes & Noble”, “iPad, da Apple” ou “Android, da Google”, como se todos os produtos tivessem sobrenomes. Não são todos, é claro que não, mas muitos profissionais da comunicação juntam “nuvem” com “biblioteca digital”, “MP3” com “pirataria”, numa associação automática e débil, e muitas vezes não sabem a diferença entre “e-readers” e “tablets”; isso quando não confundem “App Store” com “Apple Store”, e despejam diariamente um monte de desinformações e notícias desencontradas sobre os eBooks nos canais de mídia já enterrados, de tão mortos.
Na verdade, eu não deveria reclamar, porque muitos textos assim alimentam este site, mas ler matérias sobre livros digitais, hoje em dia, é como garimpar um bom disco num sebo; ou como ouvir um disco furado, um vinil riscado, uma bolacha torta rodando numa agulha enferrujada. É como ouvir, de novo, aquela ladainha de que The Beach Boys copiou os Beatles; ou como Pink Floyd era melhor com Roger Waters. Ou como Michael Jackson queria ser branco. Ou como Cindy Lauper imitava a Modonna. Ou como os grandes mitos do rock morreram aos vinte e sete anos.
Clichês à partes, é sempre o mais do mesmo. É sempre a mesma coisa. E é raro ver uma matéria única que seja sobre os negócios independentes, longe dos grandes grupos editoriais. Ou seja, mesmo que você tivesse por exemplo inventado uma maneira de manter eBooks seguros da pirataria, estando no Vale do Anhangabaú, ao invés de estar no Vale do Silício, você não teria a mínima chance de ser ouvido ou citado.
Me perdoem a reclamação toda, não quero parecer resmungão, mas, na boa, que graça tem a importância dos metadados para os nossos negócios, se raramente a imprensa fala sobre o assunto? E daí que os metadados podem efetivamente revolucionar o modo como registramos, armazenamos, compartilhamos e pesquisamos os nossos livros? E daí que estamos próximos à definição da versão 3 do formato padrão ePub. E daí que a Onix for Books está se consolidando como um padrão para o intercâmbio comercial de dados para livros digitais? E daí que hoje existam softwares com inteligência artifical que podem ajudar a escrita dos livros para os autores de literatura fantástica? E daí que o HTML5 pode enterrar o conceito ePub, se ninguém discute isso? E daí que os leitores estão hoje mais próximos dos autores e dos livros como em nenhum outro momento da história da humanidade?
$e o que importa é a grana.
Conceitos que poderiam ser inovadores, como o “Cloud Computing”, por exemplo, são varridos por mentes medianas e por campanhas de marketing que ainda insistem no erro de tentar convencer o mercado editorial de que alguém precisa salvar a pátria dos livros não lidos. E esta empresa nunca poderá ser a sua, se a sua empresa não for uma Apple ou a Amazon da vida.
Ou seja, se eu entendi bem aquele filme, se você não for um ladrão de ideias tão bom quanto Zuckerberg, esqueça! É melhor não trocar aquele seu único e verdadeiro amigo por outros milhões numa rede social da moda.
Aliás, rede social é uma palavra muito usada para denominar qualquer site que queira chegar a ser um grande player. Hoje em dia, os valores parecem estar tão invertidos no mundo dos negócios que tem até rede social para trair aquela pessoa que, teoricamente, você deveria amar.
Mas vem aí a última nova palavra-chave de ordem: “white label”. E eu nem vou perder o meu tempo explicando o que seja, porque eu tenho certeza de que agorinha mesmo, neste exato momento, alguma empresa sem nenhum amor aos livros vai tentar convencer o mercado de que é o novo modelo de negócios a ser seguido. O conceito vira moda, a empresa é citada em matérias repetitivas, um monte de editora que não sabe o que quer da vida especula e perde o seu valioso tempo pra saber o que é, e depois, puf, o conceito é esquecido.
Pobres empreendedores tupiniquins.
Suas ótimas ideias evaporam assim que começam os rumores e especulações sobre os destinos financeiros daquela empresa famosa cujo fundador morreu recentemente.
Para quem sobrevive de criatividade é realmente uma pena que em nosso país não exista um Vale como o do Silício. Mesmo que o silício já não seja mais aquele condutor perfeito quando comparado a primeira era da microcomputação, pois o semicondutor antes precioso parece estar com os dias contados e nem a Lei de Moore pode salvá-lo.
Quando falo de termos um Vale do Silício, não me refiro a um local aonde um certo município concede isenção de impostos em troca de meia dúzia de prédios bonitos com fachadas para empresas onde a inovação simplesmente não existe. O que existe é apenas um bom departamento de marketing, comunicação e assessoria de imprensa. Eu me refiro a um lugar onde ideias realmente inovadoras se propagavam. Ideias capazes de tirarmos deste cenário terrível de ter de ser clone de um business lá de fora.
Eu também não me refiro a um site copiado dos gringos que pede esmolas para financiar projetos. Me refiro a locais onde ideias são efetivamente valorizadas por serem altamente impactantes em nossa sociedade.
Me refiro a um Vale de Ideias.
Me refiro àqueles locais onde jovens, inspirados, inventam e desenvolvem soluções incríveis para todo o tipo de utilidade para a sociedade da informação.
Afinal, onde estão os jovens nerds que poderiam revolucionar o mercado editorial brasileiro nesta que é uma oportunidade única em anos? Onde estão os escritores que poderiam finalmente libertar todos os seus dragões, elfos, magos, vampiros, piratas, discos voadores, exoplanetas inexplorados ou anjos caídos? Onde estão os editores da nova ordem?
Enfim, talvez o Vale do Silício esteja dentro de cada um de nós. Que, sozinhos, tenta vencer as barreiras dos impostos, das alíquotas, das taxas, dos fiscais e sindicatos, da mortalidade infantil de centenas de startups, das greves dos bancos e dos Correios. Que Deus nos livre daqueles investidores malditos que te obrigam a criar Business Plan [termo muito bacana] pra te ensinar a provar a si mesmo que a sua ideia nunca vai vingar no país do futebol.
Que Deus nos livre daquele capital de risco, vindo não se sabe de onde, para ser lavado em nossos caixas como se nossas empresas fossem tanques e não empreendimentos editoriais.
E antes que os vigilantes de plantão reclamem, este não é nenhum tipo de artigo politizado ou algo do gênero.
É apenas um convite para aquelas mentes inquietantes que não tem medo de compartilhar as suas ideias. Que não tem medo da pirataria. Que não perdem tempo patenteando o que em nosso país não tem nenhum valor agregado. Que não tem medo de empreender. Que não tem rabo preso com malditos investidores que só pesam o seu dinheiro sujo como combustível da inovação. Enfim, para mentes que sabem que a única e verdadeira mídia social é a Internet, e que todo o resto não passa de ferramentas que por ela trafegam.
Convido os amigos que tiverem ideias libertadoras sobre os livros digitais a tomarem um café.
E, bem, na verdade o escritório da minha empresa, a Livrus Negócios Editoriais, está bem perto do Vale do Anhangabaú. Dá pra ir a pé; é um caminho que sempre faço para almoçar ou tomar café.
O Vale do Anhangabaú está bem longe de um Vale do Silício, e minha empresa está bem distante de diversas outras pequenas ou médias empresas que hoje atuam no emergente mercado de livros digitais. Mas podemos estar mais próximos como empresas inovadoras, de negócios rentáveis.
Este, então, é um convite para aproximarmos as boas ideias.