Ednei Procópio escreveu essa carta endereçada ao Professor Silvio Meira em 2013; e as questões nela levantadas ainda permanecem centrais
Caro Professor Silvio Meira,
Ganhei esse seu livro, NOVOS NEGÓCIOS INOVADORES DE CRESCIMENTO EMPREENDEDOR NO BRASIL, de um amigo, durante a Festa Literária de Pernambuco [Fliporto], cujo tema daquela edição foi “A Literatura é um Jogo” e onde ministrei uma oficina sobre eBooks na E-Porto Party [ali mesmo na FOCCA, onde o senhor também ministrou uma palestra na ocasião].
Li este seu livro de mais de 400 páginas, incluindo o cólofon, em menos de uma semana. Devo ter sido um dos primeiros leitores a terminar, o que não quer dizer muita coisa uma vez que o senhor mesmo demonstra que ser o primeiro na maioria das vezes pode não ser um bom negócio [principalmente se o cabra não puder manter-se assim, nos negócios, por muito tempo].
Tentei discordar de ti, em alguns pontos, nas suas considerações, durante minha leitura, mas o senhor pensa e escreve mais rápido do que eu consigo criar minhas retóricas. E já ia lhe enviar uma mensagem através de um e-mail, mas lembrei-me de ter lido em seu livro que o senhor perde bastante tempo deletando aquilo que não gostaria de ter recebido. Receoso de ter minha mensagem caindo na sua caixa de SPAM, resolvi lhe escrever este post. Senti que, guardada todas as proporções, nós dois temos os cérebros ligeiramente [teimosos?] em continuar pensando o empreendedorismo neste País.
Minha carta não traz nenhum tipo de reclamação, não é isso, é que, observando o título do seu livro, eu pensei: sabe qual é o problema? É isso, eu empreendo no Brasil. Aliás, acho que compreendi quando o senhor fala sobre contextos para se empreender, e fala de cenários, e de espaços, de picos. Mas, se me permite, sugiro que, na próxima edição do seu livro, o senhor troque a palavra-chave do título para BRAZIL [com Z, de Cavaleiro Solitário]. Pois é assim que eu me sinto, um estrangeiro empreendendo em meu próprio país.
Me chamo Ednei Procópio, sou entusiasta dos livros digitais, tema que estudo [e empreendo] desde 1998. Ou sej,a em 2018, já se vão duas décadas pensando nesse assunto. Fui, entre muitos projetos, parte do Grupo de Trabalho que ajudou a organizar o Congresso Internacional CBL do Livro Digital. Encontro-me em minha terceira jornada empresarial. Meus dois primeiros negócios, ambos na área de livros, que tocava simultaneamente, foram por mim vendidos para dedicar-me a um único: a Livrus Negócios Editoriais, embora eu desenvolva alguns projeto digitais em paralelo.
Também sou apaixonado por videogames. Meu irmão e eu temos uma modesta coleção de uns três mil jogos [incluindo os consoles Odyssey, Atari, Mega Drive, [S]NES, PlayStation, até algumas edições do Telejogo] dos quais só temos tempo, hoje em dia, para jogar um de cada vez com os nossos filhos. E foi justamente jogando algum título para o antigo Game Boy, da empresa japonesa Nintendo, que tive há muito tempo atrás o insight de enfiar livros, em vez de jogos, em maquininhas daquele tipo. Foi assim que, sete anos antes de existir o Kindle, na verdade antes mesmo de existir o Sony Reader, eu havia idealizado um equipamento para a leitura de eBooks.
Eis aqui algumas as imagens do meu mocap [protótipo?]:
Resolvi compartilhar essa história com o senhor porque eu ouvi rumores de que a Nintendo estaria trabalhando em uma plataforma com características educacionais [lê-se livros?]. Algo que imaginei há mais de quinze anos atrás, estão finalmente sendo colocado em beta. De onde tiro minha primeira questão: de que adianta sermos um povo supostamente criativo se nos falta timing? Aliás, falta tudo no Brasil até ética.
Naquela época eu só empreendia ideias, não tinha a consciência de que eu estava no Brazil [um país onde gambiarra é tema de doutorado]. Mas, lendo seu livro, comecei a pensar que empreender se trata, também, de manipular zeros e uns. E a arte de manipular zeros e uns, já que estamos, nas palavras de Chris Anderson, trabalhando com bits e não com átomos, poderia determinar o sucesso [ou o fracasso na maioria dos casos] de um NOVO NEGÓCIO INOVADOR DE CRESCIMENTO EMPREENDEDOR NO BRAZIL.
Mas com quantos bytes se faz um startup?
O senhor bem sabe que, nos códigos binários, de softwares a aplicativos, não existem os espaços em brancos [ou seriam espaços vazios?]. Todos os espaços, nas linhas de comando [mesmo àqueles preenchidos com a mais útil das teclas, a barra de espaço], são ocupados com zeros [ou uns]. Será que ali também temos a antimatéria? Enfim, o professor bem deve se lembrar também que zeros e uns formam a unidade mais básica que permite o funcionamento dos hardwares [aquela parte da computação que a gente chuta quando as coisas não andam bem]. Cada bit é formado por um conjunto de unidades, e cada unidade pode “estar” viva ou morta [também podemos dizer que pode “estar” ligada ou desligada].
Por exemplo, o código binário para a palavra “LIVRUS” seria este:
Aqui, na Livrus Negócios Editoriais, para fazer uso da complexidade do cenário, nós ainda manipulamos tanto átomos quanto bits [livros digitais impressos sob demanda e eBooks]. Os paperbooks são a herança que guardamos do parêntesis do [empreendedor] Gutenberg. Enquanto os livros [eletrônicos?] são a promessa de um negócio conectado, inovador. Enfim, futuro.
Criei uma tese. Para minha empresa faturar seu primeiro milhão, ela precisa garantir que alguns zeros permaneçam do lado direito do [h]um. Como o senhor sabe, os zeros à esquerda não tem valor. Então, tentando ser tão pragmático quanto o senhor, o que eu preciso para tornar minha empresa um empreendimento altamente lucrativo [e portanto milionário] é tirar todos os zeros que hoje estão à esquerda [na lógica, todos desligados], e alocá-los à direita do número hum [que precisa estar sempre ligado].
Sei que o senhor, como todos nós empreendedores, tem pouco tempo para lidar com as coisas, então eu resolvi colocar algumas imagens nesta carta [post?], como o senhor faz em seu livro. Mais para melhorar o entendimento do que para copiá-lo. A propósito, as imagens do seu livro são ótimas [parabéns!], são bem melhores que as minhas aqui:
Não poderia esquecer-me de que [trabalhando em rede] preciso empreender átomos [pessoas], mas principalmente bits [produtos e serviços]. No mundo físico bastaria talvez chamar um técnico [um consultor?], ou contratar uma empreiteira para fazer o trabalho sujo. Mas, no mundo digital [bem mais transparente do que creem muitos por aí], é preciso fazer muito mais do que digitar linhas de comando, ou apelar para scripts prontos.
E como empurrar tantos zeros em tão pouco tempo?
Empurrar, claro, é uma metáfora. Quer dizer criar uma boa equipe, manter os produtos e serviços em rede, etc. E empurrar os primeiros zeros da esquerda para a direita, principalmente antes da primeira vírgula, foi relativamente empolgante. Tive a ajuda de [poucos] amigos, um dos quais me traiu roubando minha lista de clientes, mas também [confesso] empurrei parte dos algoritmos sozinho. Uma vez que já havia colaborado com uma startup falida no primeiro estouro da bolha da Internet, e esta agora é a minha terceira empresa no ramo editorial, empurrar os primeiros zeros até que foi relativamente interessante. Mas agora está ficando de certo modo pesado, algumas vezes mais cansativo conseguir empurrar mais um zero para a casa da direita. Talvez seja porque chegamos naquele ponto de convergência em que somente a ajuda para rodar já não é o bastante. Será que isso é bom?
Nesse tempo todo empreendendo no Brazil, percebi que, ao mesmo tempo em que se empurra os zeros, à partir da esquerda, o ideal é que o empreendedor mantenha sempre por perto os parceiros que podem ajudá-lo a puxar do outro lado, pela direita, minimizando em muitos os esforços. A questão é encontrar esses parceiros. Muito são conquistado com amizade, outros pagando antecipadamente. Percebi também que é importante manter sempre o número hum como ponto de apoio na casa central. Na verdade, para usar um termo bastante usados nos videogames, corre-se o risco de “zerar” se o líder do projeto não for bastante perspicaz. Podemos chamar esta casa central de caixa. Ela é importante para manter o futuramento [faturamento futuro] da empresa.
Veja porque:
Lendo o seu livro, tive algumas ideias. Mas como faria para deslocar mais rápido os zeros necessários para a direita? E, ao mesmo tempo, sempre mantendo o hum que eu já havia conquistado no lugar certo? Lembrando que zeros à direita não aparecerão do nada, num passe de mágica. Se o empreendedor não consegue mais empurrar os zeros necessários para a casa da direita, por vários motivos [entre eles, e não somente estes, o risco Brazil, a carga tributária, etc.] sentindo que vai “zerar”, ele pode, por exemplo, trocar o zero por outros números disponíveis em mercados conexos.
Este macete poderia dar mais força [fôlego, em muitos casos] até se conseguir empurrar o próximo zero? Se sim, o empreendedor conseguiria manter uma certa estabilidade até a próxima instabilidade econômica do mercado editorial ou do próprio sistema econômico brazileiro ou mundial?
Jogo da Vida
Tive que fechar seu livro várias vezes para pensar um pouco a respeito do que o senhor dizia. Talvez eu tenha lido mais a capa que o conteúdo do miolo. Aliás, o senhor colocou algumas figuras, [geométricas], na capa do seu livro. Por conta das cores ali usadas, lembrava-me de tê-las visto em algum lugar antes. Fiquei pensando nisto no avião, enquanto voltava da Fliporto [comendo aqueles amendoinzinhos vagabundos que a companhia aérea tem a coragem de distribuir].
Forçando minhas sinapses, lembrei-me de tê-las visto no filme “A Fuga do Planeta dos Macacos“, longa de 1971, o terceiro da série original. Uma das personagens do filme, a macaca Zira, usa peças semelhantes as que ilustram a capa de seu livro para montar uma escada e apanhar uma banana. A banana seria uma espécie de recompensa. Na verdade, Zira não gosta de bananas, ela só queria impressionar o cientista chefe que a estudava de fora da jaula. Algo como os tais anjos investidores fazem com os empreendedores em um pitch. Aliás, é assim que eu me senti nas vezes em que fiz um pitch, como um animal dentro de uma jaula, sendo estudado por aquele que pensam que podem decidir nosso futuro.
Se o senhor for como eu, um nerd faixa preta, deve se lembrar que a personagem Zira é mãe do personagem central da série “Planeta dos Macacos”, cujo nome é [coincidência ou não] César. Enfim, eis aqui uma imagem da tal cena:
Os blocos coloridos usados na capa do seu livro formam os chamados poliminós. Estes blocos coloridos, tetraminós [ou seriam simplesmente células quadradas?], me lembram claramente aqueles usados no jogo Tetris criado pelo engenheiro Alexey, quando ele ainda atuava no Centro de Computação [da Academia Soviética de Ciências, lá no início da década de 1980].
Só que os blocos que ilustram a capa do seu livro estão fora de uma caixa, sem um cenário [contexto] possível. E um deles está solto [quebrado talvez?], é um monominó, e foge da tetralogia padrão. Isto indica que podem ser usados da maneira que acharmos melhor? Sabe, professor Meira, no país em que eu nasci, por conta da educação que tivemos e ainda temos, é muito difícil pensar fora da caixa, então, a única coisa que consegui pensar com os tais blocos foi em.. caixas.
Veja:
Mas, como o senhor mesmo bem diz eu seu livro, é preciso contexto. A pergunta que eu me faço agora é: os blocos coloridos que ilustram a capa de seu livro necessitam, para ganhar vida, de um tabuleiro [de uma grade qualquer]? Algo pode ser desenvolver sem um contexto, professor? Talvez pudéssemos utilizar os tais blocos coloridos em um contexto que um outro mestre, em matemática, o senhor John Horton Conway, chamaria de livre arbítrio?
Se sim, dá pra inovar, veja:
Ainda penso em levar o escritório da minha empresa para o Vale do Silício, falta pouco. Mas como eu ainda não consegui, acabei instalando o nosso worker office em outro vale. A Livrus está agora sediada no Vale do Anhangabaú, na cidade de São Paulo. Em um estado cujo cenário [me parece, se li direito o seu livro ] mantém picos extremos em todas as direções [mercados]. Estamos falando de um universo complexo [para não dizer complicado], que não é perfeitamente ajustado e que requer um projeto inteligente. Preciso, portanto, descobrir: qual é o cenário [plano ou de picos] em que minha empresa está inserida?
O mercado em que atuo, professor, é como aqueles móveis coloniais que encontramos em Olinda, é velho. Poderia até ser considerado maduro [visto que o parênteses de Gutenberg já se arrasta por séculos], não fosse oco e cheio de cupins [e traças] por dentro. Como dito, não estou me queixando. Apenas refletindo depois de ler seu livro. E agora me pergunto: devo migrar de um cenário dimensional [esteira] para um cenário bidimensional [tabuleiro] ou quem sabe tridimensional [universos paralelos]?
Devo manter um modelo de negócios bastante flexível para a minha startup? Se sim, como? Pois, se é fato que “A Literatura é um Jogo”, como afirmou uma das últimas edições da Fliporto, porque é que o mercado editorial onde atuo não mantém regras nem mais nem menos rígidas, nem mais nem menos conhecidas pelos players deste mesmo mercado? Não quero simplificar as coisas, mas falta cuidados regulatórios mínimos. Falta uma agência reguladora. É disso o que precisamos, de uma Agência Nacional do Livro. Enfim, nesta complexidade que, segundo seu livro, é natural e até importante para o empreendedorismo, quais estratégias devo buscar? Em quais situações? Em quais condições de mercado?
Adorei esse negócio de fazer muitas perguntas todas ao mesmo tempo [que aprendi com seu livro]. Seu currículo diz que é cientista, mas estou inclinado a chamá-lo de filósofo. Agora, as respostas para tantas perguntas devem ser bem mais difíceis de buscar que criar, por exemplo, jogos eletrônicos na Moscow da primeira metade de 1980 [cenário onde os negócios empreendedores se quer eram autorizados, quanto mais incentivados]. Alexey, o empreendedor do Tetris, estava inserido em um cenário bastante complexo [na verdade, complicado], e, pelo que parece, conseguiu ir em frente. O que me leva a formular minha última pergunta: o senhor sabia que o Tetris [jogo de origem russa] ajudou a impulsionar as vendas do console portátil Game Boy [de origem japonesa] no mercado americano?
Grande abraço, Ednei
Postscript: “O mundo pode ser cheio de picos, mas só quem anda de avião pode apreciá-los de longe.”