Como o hardware, o software e o conteúdo convergirão para tornar o livro instantaneamente acessível
Durante a 15ª Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto ministrarei uma palestra, no Salão de Ideias, que abordará o passado, o presente e o futuro dos livros sob uma ótica da convergência digital.
Na palestra pretendo abordar como os modos de produção e circulação de livros vem se alterando ao longo do tempo. Creio que nunca na história da indústria editorial os livros estiveram tão próximos do cotidiano dos consumidores quanto hoje. E, assim que passar esta fase de reinvenção desta indústria diante dos desafios impostos pela Era Digital, a tendência é o livro se tornar cada vez mais popular.
As tecnologias de hardware, software e conteúdo, voltadas ao novo mercado editorial, estão emergindo a partir de um emaranhado de conexões literárias para tornar o livro instantaneamente acessível a uma massa cada vez maior de leitores consumidores.
Conexões literárias se formam a partir do agrupamento de pessoas e ideias que circulam no entorno de projetos de blogs, redes sociais literárias, livrarias online, editoras virtuais, plataformas de autopublicação, bibliotecas digitais, etc.
No passado, diversos hardwares serviram de superfície de leitura
E a prática vem nos mostrando, através dos tempos, que todos os livros necessitam obrigatoriamente de uma superfície de leitura, ou de um hardware, para serem registrados, acessados e lidos. Sem um hardware, o acesso e a leitura ficariam comprometidos, e o homem continuaria a perpetuar sua antiga comunicação oral.
Desde as paredes das cavernas, passando pelos tabletes cuneiformes, bambus, tecidos, papiro, cascas de árvores, cordas, alfarrábios, entre gravuras em barro seco ou frases escritas em peles de animais, até chegar ao suporte papel, aos CD-ROMs, e-readers, tablets, smartphones, etc., o homem vem utilizando diversos modos para o registro de ideias, informações e conhecimentos.
Um exemplo do uso diversificado de superfícies de registro e leitura é o quipo [ou quipu], um cordão com nós atados cuja amarração permite uma leitura por decodificação de combinações. Com o uso do quipo, um cordão com cerca de 30 cm, a cultura inca pré-colombiana estabelecia uma contabilidade precisa no seu abastecimento de alimentos e utensílios. O quipo permitiu ao povo inca a conservação da memória de seus antepassados por meio de crônicas.
Mas foi o hardware papel o responsável por disseminar e até, de certo modo, ‘engessar’ a cultura literária ocidental. Ao contrário, porém, do hardware papel que esteve no centro das atenções dos meios de produção do livro, durante pelo menos quatro séculos desde a revolução da prensa de tipos móveis, engendrada pelo gênio alemão Johannes Gutenberg, hoje a superfície digital de leitura está literalmente na palma da mão dos leitores.
Baseado em écrans digitais de produtos como smartphones, óculos de realidade virtual, e-readers, relógios, tablets e um número crescente de telas de variados tamanhos, a moderna superfície de leitura migrou dos antiquados e pesados hardwares, para as leves e legíveis páginas portáteis. E a partir das modernas superfícies digitais de leitura presenciamos o nascer de um novo intermediário do conhecimento.
No presente, o software é o responsável por intermediar a leitura
O software, cuja linguagem binária vem se desenvolvendo desde a década de 1960 através dos computadores pessoais, tornou-se hoje em dia em uma interface bastante disseminada e popular que cuida da intermediação entre o conteúdo e as modernas superfícies de leitura.
O software, hoje empacotados nos chamados apps, permite que ideias, informações e conhecimento sejam registrados, e compartilhados através das redes de computadores, servidores descentralizados, computação em nuvem e inúmeros aplicativos.
A portabilidade tecnológica e a socialização da Internet, através dos apps, atreladas à disseminação do comércio eletrônico, são hoje uma realidade que tornaram possível uma revolução sem precedentes desde o aprimoramento das máquinas de tipos móveis. Com o avanço e democratização das tecnologias de informação, plataformas digitais de publicação, leitura e compartilhamento nasceram, evoluíram e permitiram um modo completamente novo de se trabalhar com os livros.
O conteúdo se tornará ainda mais central para os livros
O futuro do livro encontra-se mais centrado no conteúdo que nas superfícies de leitura ou nas tecnologias que o intermedia. O futuro do livro converge para uma leitura social, direta, em tempo real, periódica, desintermediada e menos burocrática.
Estamos no limiar de novos modelos de negócios voltados aos livros, hoje divididos entre a publicação instantânea, que oferece quantidade de livros ao novo mercado editorial, e a curadoria de conteúdo que concede a qualidade necessária.
Tanto o conteúdo criado de modo espontâneo pelos escritores online, quanto o conteúdo encomendado por publishers, baseado em suas próprias demandas, alimentarão um mercado editorial cada vez mais rico e dinâmico. Plataformas digitais de publicação, comercialização e divulgação, atrelada a uma curadoria de conteúdo, serão responsáveis por profissionalizar livros e autores para uma massa de leitores que, com uma curva de aprendizagem cada vez mesmo acentuada, optarão por títulos de qualidade.
E o que podemos prender com os erros do futuro?
Da publicação instantânea, sem o filtro editorial necessário, nascerão os novos escritores que futuramente desenharão o novo modus operandi do mercado editorial. A curadoria de conteúdo será a responsável pelo nascedouro de uma nova geração de publishers que irão direcionar o trabalho dos antigos profissionais do mercado editorial tradicional.
Um novo mercado editorial já nasceu e segue seu curso rumo ao futuro. Este novo mercado converge o hardware, o software e o conteúdo dos livros em uma rica bibliodiversidade, em uma diversidade de escritores, editoras, livrarias online e bibliotecas digitais que formam as conexões literárias, capazes tanto de estimular o nascimento de novos leitores quanto assegurar a leitura dos mais exigentes entre os leitores. O que o futuro do livro nos reserva, afinal, é um cenário de conteúdo literário em plena convergência.
Minha palestra sobre o passado, o presente e o futuro dos livros, sob a ótica da convergência digital, será ministrada no Salão de Ideias. O evento [aberto ao público, com entrada gratuita] ocorrerá no dia 18/06/2015, das 16 às 17H30 horas, no Auditório Meira Jr. do Theatro Pedro II.
Ednei Procópio é um dos maiores especialistas em livros digitais do país, pioneiro na área desde 1998. Como editor e sócio-fundador de selos editoriais, atua na publicação, comercialização e divulgação de centenas de títulos em versões impressas sob demanda e digitais. Publicou Construindo uma biblioteca digital [2005], O livro na era digital [2010] e em 2013, Procópio lançou seu terceiro livro A Revolução dos eBooks [pela editora do Senai] indicado ao Prêmio Jabuti 2014.