Carta aberta ao Excelentíssimo Senhor, Ex-presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva.
São Paulo, 7 de Abril de 2018
Ao Excelentíssimo Senhor Ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva
Assunto: A incipiente e frágil democracia brasileira
Caro Lula,
Eu já havia desenvolvido um pensamento sobre a incipiente e frágil democracia brasileira mas resolvi, no dia de hoje, dividir meus pensamentos diretamente ao senhor. Sei que o senhor não lerá a minha carta hoje, mas ficarei feliz se um dia puder me responder. É que desde que começou a mais recente crise moral, social e econômica brasileira, tenho tido muita dificuldade em manter uma conversa amigável com as pessoas sobre política. Principalmente nas mídias sociais. Manter um diálogo mínimo com as pessoas está sendo impossível, então eu acho que apesar da censura ideológica instalada em nosso País, vou publicar essa minha carta em meu próprio site. Ele é meu e eu tenho esse direito.
Sentindo que a tendência das pessoas em partidarizar toda questão que penso sobre democracia, e de polarizá-la, era tamanha, tomei uma atitude bem drástica: saí de todos os grupo de discussão que participava e deixei de seguir dezenas de colegas e pessoas conhecidas nas redes sociais.
É muito triste para mim, Lula, ver pessoas que eu considerava de certo modo amigos meus defendendo a morte e a prisão de seres humanos que poderiam ser da família deles. Que poderiam estar diretamente envolvido na história de vida deles. Quando uma pessoa da nossa própria família é presa a gente sente na pele toda a questão moral que nos separa entre o ódio e o amor que nos une ou que nos separa. Não tenho a mínima ideia de como o senhor realmente se sente depois de perder a sua esposa e de todos os revés que o senhor vem passando, eu acho que faço apenas uma pequena ideia. Eu lamento muito, Lula. As pessoas lá fora nunca vão saber de verdade o que é que a gente realmente sente aqui dentro de nós. Cada um de nós, senhor Presidente, precisa buscar dentro si a sua própria essência. Ela não está lá fora, no outro, mas ela está aqui dentro de nós.
Vejo pessoas defendendo, torcendo e comemorando sua prisão para corrigir dentro da alma delas um defeito que elas próprias carregam. Percebi que muitas pessoas, sem obviamente generalizar, além de nivelar as questões políticas mais importantes por baixo, pelo que ouviu dizer, suas constantes tentativas de distorcer completamente a realidade, sempre que podiam, descambavam para um festival de achismos e… bem, é melhor deixar pra lá. Vamos ao que realmente é importante.
Essa carta é para te dizer que, felizmente, de vez em quando, aparecem coisas interessantes entre um monte de lixo tóxico, de ódio constante contra sua história de vida. E foi inspirado em umas dessas mensagens, recebida nesses aplicativos de mensagens instantâneas, pena eu não saber a origem autoral, que encontrei inspiração para criar essa carta. Comecei a pensar no texto no dia 24 de Janeiro de 2018. Um dia, sem sombra de dúvidas, emblemático na recente história do nosso país, o senhor deve se lembrar. Tudo parece girar em torno do senhor nesse momento.
Lula, o senhor talvez já deve ter prestado a atenção mas, em um intervalo de aproximadamente apenas 120 anos, o Brasil teve sete constituições federais: iniciando em 1824, durante o Brasil Império; 1891 (no Brasil República); 1934 (na Segunda República); 1937 (no Estado Novo); 1946, 1967 (Regimes Militares); e 1988. É como se tivéssemos uma nova constituição a cada duas décadas. Ou seja, passam-se vinte anos e lá vamos nós escrever uma nova Constituição que caiba nos nossos sonhos.
A última edição de nossa Constituição, aquela proscrita por Ulysses Guimarães, está praticamente vilipendiada. Deturpada. Foi rasgada após tantos dispositivos pseudo-jurídicos escondidos por trás de ações político-partidárias. Creio que, após tantas redações tentando constituir uma base sólida em nosso país, em um intervalo tão curto de tempo, mesmo com todas as transformações sociais, já deveríamos ter aprendido algo sobre como fazer e manter uma Constituição. Só que não. As constituições brasileiras são reescritas ao sabor dos tempos, são deturpadas conforme as vontades privadas. Talvez seja por isso que meu poeta favorito tenha afirmado que “ninguém respeita a Constituição”.
Lula, em um intervalo de aproximadamente apenas 80 anos, menos de um século portanto, nós tivemos em nosso também frágil sistema econômico ao menos nove, nove moedas oficiais: o Réis (até 1941); o Cruzeiro (1942); o Cruzeiro Novo (1967); o Cruzeiro (1970); o Cruzado (1986); o Cruzado Novo (1989); o Cruzeiro (1990); o Cruzeiro Real (1993) e o Real (1994). É como se a cada oito anos e meio nós tivéssemos uma nova moeda. Parece que nenhum indexador interno, como foi o caso da Unidade Real de Valor (URV), que foi base para a institucionalização do Plano Real, antes e durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi suficiente para fazer frente ao nosso verdadeiro indexador financeiro: o dólar.
E esse são os vários lados de uma mesma moeda, Lula, e o senhor deve se lembrer que em algum momento dessa história o senhor foi contra indexar a moeda brasileira ao dólar, não é mesmo? Naquele momento o senhor se equivocou, o senhor não enxergou a médio e longo prazos. Mas não é só de escrever constituições, e imprimir novas moedas, a cada uma ou duas décadas, que vive o Brasil. O poder legislativo brasileiro também se mostra frágil frente às intempéries tupiniquins. O nosso tão atualmente difamado Congresso Nacional, por exemplo, foi fechado, impedido de atuar, em um intervalo de aproximadamente 120 anos, seis vezes: em 1891; de 1930 a 1934; de 1937 a 1946; em 1966; e, de novo, de 1968 a 1969; e, finalmente, em 1977. Recentemente ouvimos rumores da ala mais conservadora do país de que haveria um novo projeto em andamento para fechar mais uma vez a casa que deveria ser o alicerce da democracia, mas que se tornou a vergonha do nosso país.
Recentemente, um General ameaçou a todos, incluindo nossa Suprema Corte, o STF, com uma nova intervenção caso o senhor não fosse preso. Tudo isso sem falar nos seis golpes de estados que a nossa tão jovem República sofreu. Na verdade, se pararmos para pensar, a república brasileira nasceu de um Golpe de Estado, em 1889. E nos intervalos de 1930 a 1934; e de 1937 a 1945; em 1945; 1955; nos intervalos de 1964 a 1985. E, finalmente, embora muitos discordem, um Golpe Civil, ou Parlamentar, como queiram, em 2016. Esse último o senhor acompanhou de perto e foi praticamente personagem central da trama toda.
Afinal, qual é o problema de vocês políticos, Lula? Sofremos tanto de uma esquizofrenia latente que teve até plebiscito, aquele de 2005, o das armas, literalmente ignorado. E hoje tem gente que defende as armas como se defendesse a distribuição de merendas nas escolas. Eu, como um homem pacifista, cujo espírito migrou de encarnações desde o Oriente até o Ocidente, sou contra. Como Gandhi, acredito que “não existe caminho para a paz, a paz é o caminho”.
Estão querendo institucionalizar no Brasil o Parlamentarismo, do qual não sou totalmente contra, mas estão ignorando solenemente o plebiscito já realizado sobre este tema. Mas vamos para a próxima lista, Lula, porque parece haver um acordo velado, um governo oculto que mantém uma instabilidade, constante, para obter lucros em cima desse ciclo interminável de involuções. O Brasil está deitado sob uma placa tectônica de movimentos políticos intermitentes. E o senhor, queira ou não, é um dos culpados. Porque o senhor entrou no jogo deles?
Com tudo isso, nossa timeline não poderia ficar pior, pois, no intervalo de apenas doze décadas, nós tivemos não menos que treze presidentes que simplesmente não concluíram seus mandatos. Fazendo uma conta rápida, uma “conta de padeiro”, como dizem nós os paulistanos, é como se a cada dez anos um Presidente fosse impedido de governar. Se não, vejamos: Deodoro (1891); Afonso Penha (1909); Rodrigues Alves (1918); Washington Luís (1930); Júlio Prestes (1930); Vargas (1945 e 1954); Carlos Luz (1955); Jânio Quadros (1961); João Goulart (1964); Costa e Silva (1969); Tancredo Neves( 1985); Collor (1992) e Dilma Roussef (2016).
Por falar em presidentes, meu caro Lula, ao menos trinta e um, e deixa-me repetir, 31 presidentes, não foram eleitos pelo voto direto, considerando a posse de interinos e os presidentes do período da velha república, marcado pelas fraudes eleitorais e pelo coronelismo. A lista é extensa e nos dá a média de um presidente para cada quatro anos desde o primeiro:
Deodoro (1889); Floriano Peixoto (1891); Prudente (1894); Campos Sales (1898); Rodrigues Alves (1902); Afonso Penha (1906); Nilo Peçanha (1909); Fonseca (1910); Venceslau (1914); Rodrigues Alves (1918); Delfim Moreira (1918); Epitácio (1919); Arthur (1922); Washington Luis (1926); Júlio Prestes (1930); Vargas (1930); José Linhares (1945); Café Filho (1954); Carlos Luz (1955); Nereu Ramos (1955); Ranieri Mazilli (1961); João Goulart (1961); Castelo Branco (1964); Costa e Silva (1967); Médici (1969); Geisel (1974); Figueiredo (1979); Tancredo Neves (1985); José Sarney (1985); Itamar Franco (1992) e Michel Temer (2016).
Adoraria tomar um café com o senhor e conversar sobre essas coisas, Lula. Enquanto conversamos, gostaria de lembrá-lo, sei que o senhor não fez a Faculdade que tanto eles te cobram, embora o senhor tenha instalado tantas faculdades para que os filhos deles pudessem estudar; e se for o caso eu também lhe dou o meu diploma; mas creio que o senhor seja bem conhecedor da história recente do nosso país e deve saber que trinta e uma revoltas, ou guerrilhas, vem historicamente usurpando a paz do nosso povo desde 1889 com o Golpe Republicano; a Primeira Revolta de Boa Vista (1892-1894); Revolta da Armada (1892-1894); Revolução Federalista (1893-1895); Revolta de Canudos (1893-1897); República de Curani (1895-1900); Revolução Acreana (1898-1903); Revolta da Vacina (1904); Segunda Revolta de Boa Vista (1907-1909); Revolta da Chibata (1910); Guerra do Contestado (1912-1916); Sedição de Juazeiro (1914); Greves Operárias (1917-1919); Levante Sertanejo (1919-1930); Revolta dos Dezoito do Forte (1922); Revolução Libertadora (1923); Coluna Prestes (1923-1925); Revolta Paulista (1924).
Se pesquisarmos com mais afinco acho que encontramos alguns levantes não catalogados, Lula. E a lista segue: Revolta de Princesa (1930); Revolução de 1930 (1930); Revolução Constitucionalista (1932); Revolta Mineira (1935-1936); Intentona Comunista (1935); Caldeirão de Santa Cruz do Deserto (1937); Revolta das Barcas (1959); Regime Militar (1964); Luta Armada (1965-1972); Guerrilha de Três Passos (1965); Guerrilha do Caparaó (1967); Guerrilha do Araguaia (1967-1974) e Revolta dos Perdidos (1976).
Façamos as contas, em média, a cada dez anos nós temos uma nova revolta, uma nova Constituição, uma nova moeda, um novo governo deposto, um novo governo posto pelo voto indireto ou por um golpe eleitoral qualquer. Não importa, é um padrão, é um sistema, é histórico e segue uma lógica.
Quando houve o processo de Impeachment contra a ex-Presidenta Dilma Roussef, candidata do partido que o senhor fundou, embora eu sentisse manter minha posição política sólida a respeito do assunto, confesso que iniciou a dificuldade de me expressar. Eu me sentia como se eu estivesse dentro de um jogo de RPG, o senhor já ouvir falar disso? Dentro de um jogo de RPG sempre tem o Mestre que comanda as partidas e, bem, o senhor não conseguiria ir muito longe no jogo se não ouvir o que o tal Mestre tem a dizer. Eu acho que é isso, vivemos dentro de um jogo e o Mestre é o canal de tevê, a revista semanal e o famoso juiz de Direito.
Uma questão, no entanto, me escapa aos sentidos: todos esses movimentos tectônicos cíciclos, da velha política brasileira, a quem servem? Como dito, as pessoas nas redes sociais tem a mania de partidarizar nossas opiniões, elas pensam que se nós pensamos assim, ou assado, então temos que ser etiquetados. Mas, com o julgamento do seu recurso, junto ao TRF-4, a questão do habeas corpus, creio me sentir mais seguro para escrever diretamente ao senhor a respeito do que penso sobre a recente linha do tempo da incipiente e frágil democracia brasileira. Essa carta é para o senhor, é pessoal e instransferível, embora seja uma carta aberta, me reservo no direito de não responder quem dela se apropriar para me acusar frente aos seus próprios preconceitos. É sobre democracia que se trata esta carta que te escrevo, não como escritor, editor, empresário, mas como um cidadão comum.
Sua recente prisão, Lula, e não é a primeira, acompanha uma lógica tanto quanto os movimentos das peças de um tabuleiro. Desde que foi proclamada a República, Lula, inaugurou-se no Brasil o que chamamos hoje de democracia. E, assim, chegamos ao dia de hoje. Um dia, sem sombra de dúvidas, emblemático na história recente do nosso país. O dia em que essa democracia, cheia de governos provisórios, moedas indexadas por interesses escusos, constituições escritas sob demanda, ganhará sua nova institucionalização: o da justiça seletiva.
Caro ex-Presidente Lula, não se iluda, essa justiça seletiva não começou com sua condenação não. O senhor é um homem vaidoso e não deve se achar predestinado ou privilegiado por isso; o senhor disse que é “mais que um ser humano, é uma ideia”. Essa ideia está ligada ao fato de que somos um País injusto, anti-democrático, racista, homofóbico, fascista, intolerante. Somos o que sobrou de uma colônia mal empreendida. E, nesse cenário, o senhor está se juntando a Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Antônio Conselheiro e tantos outros personagens que fizeram e fazem parte dessa pobre nação brasileira.
Desejo ao senhor a paz da alma. Aprendi com o professor Hippolyte Léon, de certo um iluminista, que todos nós temos uma missão a cumprir na vida. Eu espero que o senhor possa cumprir a sua missão a contento, com louvor. Que a Espiritualidade Maior, que Deus, o acompanhe em seus dias de cárcere.
Atenciosamente,