O texto a seguir é a parte III do artigo “O Livro na Era Digital” baseado na palestra que Ednei Procópio ministrou em uma edição da Quinta Literária na Associação Nacional de Escritores (ANE), Brasília; e publicado, originalmente, no livro “Quintas Literárias 2017”. Editora Otimismo. Páginas 119 a 143.
Por Ednei Procópio
O Livro na Era Digital
Parte III
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A gráfica sob demanda
No período que antecedeu o início da transição da mídia impressa para o digital, existiam, no Brasil, aproximadamente, cerca de dez mil gráficas em operação. Mas esse número já havia sido bem maior, chegando a quase o dobro. Não sei dizer quantas existirão quando você finalmente ler este artigo para alguma pesquisa futura. Provavelmente poucas. Mas sei que, dentro desse efetivo, existiam centenas de parques gráficos especializados e focados na impressão dos livros. O que hoje parece algo cada vez mais raro no sentido em que as gráficas tiveram que diversificar em outros serviços.
Na era digital, de todos os agentes presentes na antiga cadeia produtiva do livro, a gráfica seria aquele que, aparentemente, primeiro desapareceria. Mas, graças à miniaturização das antigas e gigantescas máquinas de impressão digital, que permitiu a flexibilização de grandes para pequenas tiragens impressas, a gráfica foi um dos agentes que mais teve que se remoldar aos novos tempos.
Antes da onda das máquinas digitais usadas na impressão de um livro, porém, a gráfica necessitava que as editoras enviassem os fotolitos das páginas. Dentro da própria editora havia um trabalho árduo e intenso de pré-impressão e correção das provas físicas dos fotolitos, revelados em um bureau especializado, utilizando a mão de obra dos office boys no vaivém das pré-impressões.
Mas o mundo gira, e muda, e até os antigos office boys, cansados das rotinas dos ônibus nas grandes cidades optaram por se motorizar. Mais tarde, a empresa Adobe Systems, que já havia comprado um antigo software e autoria e diagramação de páginas chamado PageMaker, de uma antiga empresa chamada Aldus, criou um modo de as editoras visualizarem as provas dos fotolitos antes que essas fossem impressos. A Adobe desenvolveu uma tecnologia denominada Portable Document Format (PDF), que pretendia facilitar a visualização dos fotolitos no processo editorial. Dessa tecnologia nasceu o primeiro aplicativo reader para a leitura de arquivos com a extensão PDF.
Enquanto o software Adobe Acrobat permitia a manipulação das páginas dos livros para a melhoria na impressão dos fotolitos, o aplicativo Adobe Acrobat Reader permitia que colaboradores em diversas estações descentralizadas de trabalho tivessem acesso às páginas que seriam impressas. Esse novo processo possibilitou que, mais tarde, além de toda a equipe poder aprovar as páginas antes da impressão, os arquivos manipulados fossem mais leves para ser compartilhados em redes P2P através de e-mails, de redes privadas etc.
Esse período também levou pouco tempo. Com o aumento da banda de transmissão de dados, o formato, ou extensão, PDF acabou se transformando em uma espécie de padrão comercial para o intercâmbio dos livros. A compatibilidade dessa nova extensão com diversas plataformas até então existentes, a leveza dos arquivos pelo seu método de compactação, sem perder a qualidade na legibilidade dos textos e na visualização das imagens, permitiram que o formato fosse um dos primeiros a ser utilizados para a popularização dos livros digitais. Mas não o único.
A principal vantagem da nova extensão PDF era a possibilidade de sua utilização tanto na distribuição, comercialização e leitura de eBooks como na impressão de livros utilizando um novo conceito de produção gráfica, chamado Printing on Demand. A impressão sob demanda deu um rumo novo aos negócios das gráficas e propiciou que tivessem uma sobrevida até a próxima onda, mas não até o próximo tsunami.
Embora a impressão sob demanda fosse a transformação mais fantástica pela qual o mercado de livros passaria, a revolução dos eBooks acabou por suplantar a novidade e atropelar um período que poderia ser natural para a maturação e o uso daquela tecnologia.
Apesar de a tiragem dos exemplares ter se reduzido drasticamente, o número de títulos vinha crescendo a cada dia, transformando as gráficas nos primeiros agentes a notar o estrangulamento que decorreria com a questão da logística dos livros, ainda mais caótica frente à tecnologia Printing on Demand. Afinal, a impressão até poderia ser sob demanda, mas o consumo e a entrega ainda não eram.
No início da década de 2000 o que ocorreria era que, geralmente, o leitor baixava o arquivo do livro de uma biblioteca ou livraria online, em formato eletrônico, e imprimia em sua impressora caseira. Naquele época, já era possível prever um futuro onde o serviços de impressão sob demanda estariam disponíveis também para o leitor final, e não apenas para os editores, como acontecia naquele momento.
Em meados de 2010, já existiam alguns cases de impressão sob demanda tentando colocar o conceito na ordem do dia. Em São Paulo, uma iniciativa da gráfica Bandeirantes — chamada BandBook — já permitia a impressão de até um exemplar de uma determinada obra. Havia também um projeto, frustrado, chamado Armazém Digital, no Rio de Janeiro, que colocou à disposição do público leitor um terminal eletrônico onde o usuário escolhia o livro, através de um acervo digital, e o livro saía do outro lado de uma máquina, impresso e encadernado em pouquíssimo tempo.
Ideias assim ainda eram incipientes em termos de modelo de negócios, e nenhuma delas se mostrou promissor. Eu acreditava que a coisa toda deveria se ajustar nos próximos anos, nas próximas tentativas.
Outro projeto interessante, esse no exterior, era o da Espresso Book Machine que foi testado em diversos pontos nos Estados Unidos, incluindo algumas universidades. Segundo matéria recente da Publishers Weekly, a tradicional Shakeaspeare & Co, de Nova York, abrirá ao menos três filiais este ano todas com o Espresso Book Machine, que imprime o livro escolhido na hora.
No Brasil, um dos cases que nós iremos discutir durante o “Encontros CBL de Negócios” é o da Meta Editorial. Um sistema realmente inovador que une a impressão sob demanda com a comercialização de livros através de canais em Marketplcaes.
Hoje, e no futuro, cada vez mais a impressão sob demanda de livros fará mais sentido para o mercado editorial como um todo, e estará disponível até em livrarias físicas, em geral, através destes terminais de impressão compactos. Isso ocorre porque, entre outros fatores, é muito difícil fazer com que todos os livros convencionais de uma determinada edição cheguem aos seus leitores em potencial; é preciso dispensar muito investimento e energia em comunicação e divulgação para que esse processo ocorra de um modo seguro por meio das campanhas de marketing. Os best-sellers neste processo são exceções.
Novos modos de comunicação tornam o consumidor um produtor de informação e apontam tendências para consumo por meio do digital. Com a democratização geral e irrestrita da tecnologia, mesmo com a não resolução efetiva das questões socioeconômicas, as barreiras à entrada de novos concorrentes na indústria gráfica, especificamente na indústria do livro impresso, se tornaram ainda mais fáceis de transpor. O mercado editorial brasileiro, mesmo o país estando, num determinado período, cada vez mais na rota dos grandes investimentos internacionais, é considerado pequeno se compararmos e indexarmos o consumo de livros pela renda per capita e número de habitantes.
Há uma estagnação no volume único de impressão de um mesmo título, com a venda de exemplares caindo de 500 milhões para 400 milhões em apenas uma década, embora mais títulos sejam lançados a cada dia e novas edições menores sejam impressas. É quase como se houvesse mais autores e editoras do que leitores. Todo esse cenário se solidificou há pouco mais de uma década e meia, na verdade, e tem sido fortemente influenciado pelo consumo de conteúdo através de novas mídias interativas.
Novas mídias, essencialmente conectadas, são responsáveis pela diversificação no modo de produção e consumo de conteúdo impresso sob demanda. Elas criaram uma necessidade de personalização, quando passaram a colocar o poder da impressão de livros literalente na mão dos próprios usuários.
A gráfica encolhe porque a tecnologia da informação permitiu a miniaturização das máquinas de impressão digital. O número de impressão de um mesmo título encolhe porque as mídias conectadas permitem maior flexibilização do acesso ao conteúdo para certos grupos, tribos ou nichos de mercado que podem ser alcançados através das chamadas Marketpalces. Mas a impressão digital, porém, eleva a cada dia o número de print points, ou pontos de impressão, em que o consumidor é quem praticamente clica no ícone IMPRIMIR e decide onde e como ler o próprio conteúdo. Nem que ele seja impresso em um e-reader com tinta ou papel eletrônico.
A impressão digital permite maior flexibilidade de produção e acesso a conteúdos dispersos ou de consumo muito específicos, que antes eram impossíveis de ser produzidos pelas pesadas máquinas de impressão.
O conceito offset, termo que podemos expandir para offsetting, ou configuração fechada, por causa da natureza das próprias máquinas que não permitiam impressão flexível, deu espaço ao onset, ou configuração aberta, em que o conteúdo é criado, preparado, revisado, produzido e impresso em tempo real para a maior gama de leitores diversificados.
O poder da impressão está nas mãos das novas mídias digitais porque elas estão nos bolsos das jaquetas dos leitores graças aos equipamentos portáteis. As novas mídias conectadas compõem o novo cenário e o novo modus operandi do consumo de conteúdo em papel ou meio eletrônico. Podemos chamar esse novo cenário de “imprimindo enquanto lê” ou “lendo enquanto imprime”.
Até meados de 2012, na indústria gráfica, infelizmente ainda não existia uma força motriz que pudesse manter a escala de produção e a economia de escala na impressão sob demanda de livros através dos novos e modernos equipamentos. Essa força motriz seria a venda de exemplares únicos através da internet.
Essa fraqueza na venda dos exemplares únicos ocorria porque países emergentes como o Brasil passaram da comunicação fonográfica (por exemplo, o rádio) praticamente para a comunicação eletrônica (tevê, cinema, internet). Parece-me que não houve um tempo de maturação de consumo dos livros, principalmente os impressos sob demanda.
Essa ausência de negócios nas vendas um a um, de certo modo, atrapalhou no entendimento sobre os negócios que envolvem os eBooks, pois estes são literalmente vendidos sob demanda, enquanto os livros impressos são produzidos sob demanda.
Imagino, no entnato, um futuro em que os leitores possam acessar a sua própria biblioteca digital, baseado no conceito de “nuvem” e white label, ou seja, página customizada. O sistema permitiria que os usuários imprimissem seus próprios livros em formatos convergentes como HTML, PDF, ePub ou qualquer tipo de tela em suas impressoras caseiras ou encadernadoras especializadas em impressão digital.
Os novos modos de comunicação, que podem tornar o consumidor um produtor da informação, apontam tendências diretas para a impressão de conteúdo digital nas telas ou ecrãs que estão nas mãos dos consumidores. E é por isso que se diz que o futuro do livro passa pela comunicação digital. Mas o futuro do livro é ser impresso. Sempre impresso. Seja numa tela de papel, seja numa tela eletrônica, seja numa tela qualquer que esteja nas mãos do leitor. Em resumo, o futuro do livro está literalmente na palma da mão dos leitores.
Este texto é parte do artigo “O Livro na Era Digital” baseado na palestra que Ednei Procópio ministrou em uma edição da Quinta Literária na Associação Nacional de Escritores (ANE), Brasília; e publicado, originalmente, no livro “Quintas Literárias 2017”.
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