O texto a seguir é a parte IV do artigo “O Livro na Era Digital” baseado na palestra que Ednei Procópio ministrou em uma edição da Quinta Literária na Associação Nacional de Escritores (ANE), Brasília; e publicado, originalmente, no livro “Quintas Literárias 2017”. Editora Otimismo. Páginas 119 a 143.
Por Ednei Procópio
O Livro na Era Digital
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Parte IV
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Distribuindo átomos
Antes da Era Digital atingir todo o mercado editorial e romper as barreiras que mantinham a engrenagem deste mercado funcionando plenamente, existiam muito mais distribuidoras de livros especializadas em diversos nichos literários.
O advento da Internet trouxe o aparecimento das lojas virtuais. O comércio eletrônico, inclusive, não seria o mesmo se não fossem os livros. As livrarias virtuais foram as primeiras lojas no front a testarem um modelo para a comercialização de produtos culturais utilizando a Internet como meio. O produto livro serviu inclusive como cartão de visita e chamariz para diversos players nacionais e estrangeiros que seguiram o caminho da virtualização das compras. Lá fora, a Amazon.com e aqui no Brasil, a Submarino. Quase gêmeas se não tivessem nascido em países tão culturalmente díspares.
Com o aparecimento das livrarias virtuais, no entanto, houve uma redução nas compras por impulso nas livrarias físicas de rua. Com a redução no número de pontos de vendas fechados a partir deste fenômeno, as distribuidoras tiverem que amargar prejuízo atrás de prejuízo.
Com os estoques parados, as distribuidoras tiveram que tentar reinventar os seus negócios. Tentaram elas próprias criar a sua rede de livrarias. Tentaram vender livros através de portais na Internet diretamente para o público leitor. Este fenômeno reduziu ainda mais o poder de compra e venda de títulos no mercado editorial, como se esta fosse quase que uma bolsa de valores. A desvalorização dos livros neste processo de canibalização de preços através da Internet criou um cenário que se mostrou irreversível e destruidor para toda a indústria cultural de livros. Felizmente novos modelos anexos, como o de venda porta-a-porta, ajudaram no escoamento dos exemplares que poderiam encalhar. Ainda assim o mercado já apontava o futuro em cima de uma base de novos negócios de distribuição híbrida entre livros impressos e livros digitais.
Mas como construir algo sobre uma base que não se mostrava sólida? Uma vez que distribuir os livros digitais seria como redistribuir bits, e distribuir livros impressos seria como redistribuir átomos?
Para as distribuidoras estava mais do que claro que, para reinventarem os seus negócios, era necessária a tecnologia em logística, investimentos em metadados, gerenciamento digital dos Direitos Autorais e o fortalecimento da base de catálogo e conteúdo. A questão ainda mais profunda, e complexa, era que em todos esses campos a Indústria da Tecnologia já havia de certo modo se infiltrado. Para todos os lados que se olhava, buscando alternativas sustentáveis, o que se via era um universo caótico, um big crunch, um retrocesso no modo de se explorar comercialmente a circulação de livros.
O mercado editorial inteiro estava em busca de uma singularidade.
Livrarias de um mundo pontocom
O modelo de negócios tradicional de uma livraria convencional de rua nasceu com o aprimoramento da prensa de tipos móveis, por Gutenberg. No embrião do que seria mais tarde o mercado de livros, cada gráfico era em si o próprio editor das obras. Ou seja, o mesmo profissional que editava um livro era o mesmo que imprimia. Era como ter o meio e a mensagem dentro de um mesmo meio de produção. Mais tarde as máquinas de impressão se aprimoram principalmente ainda na Europa, e a impressão dos livros começava a distanciar-se da edição em si.
Em alguns casos, o gráfico era também o próprio livreiro. Ele produzia o folheto e também já o vendia e o distribuía na comunidade ao redor. Este seria um formato clássico de venda de livros que perdurou por quatro séculos, influenciou e manteve toda uma indústria cultural no Ocidente.
No período em que a Era Digital mantinha a sua gênese ainda lenta, no entanto, a livraria já vinha sofrendo com a influência dos modelos de negócios de outras áreas do comércio. A principal influência foi aquela migrada de um modelo vizinho: a consignação. O modelo de consignação de livros permitia que o livreiro recebesse exemplares das obras sem ter que necessariamente comprar o produto. Uma vez que o produto fosse vendido para o leitor, a livraria automaticamente repassava o valor da diferença para o distribuidor; mais tarde o pagamento passou a ser feito diretamente para o editor num processo que acentuaria ainda mais o problema tal o prazo extenso nas negociações.
Este modelo de consignação, embora tenha criado uma alternativa de mix de produtos para pequenos livreiros, abriu precedente mais tarde para que diversas redes livreiras deixassem de comprar os livros usando como desculpa a própria consignação. Foi neste momento que o livro perdeu ainda mais seu poder de venda. Talvez até neste momento o livro tenha perdido o seu próprio valor.
O regime comercial de consignação, portanto, enfraqueceu o mercado livreiro em vários níveis e é considerado responsável direto pelo fechamento das primeiras livrarias no início da Era Digital. Não que a ideia original da consignação fosse esta, mas por não haver um regimento interno do próprio mercado, já sentindo na pele as consequências de uma economia de livre mercado implantada com uma nova moeda — o Real, foi o que acabou acontecendo.
Depois vieram as livrarias ponto.com que apresentaram um modelo de comodidade na entrega e preço para os leitores. O modelo de livrarias físicas nunca conseguiu alcançar todos os municípios brasileiros. Três mil pontos de vendas de livros foi o máximo que o modelo conseguiu alcançar. A livraria ponto.com não oferecia a experiência física de garimpar e descobrir os títulos impressos, mas dava ao leitor, longe dos centros urbanos, a possibilidade de acesso aos livros por um custo bastante atraente.
Na Era Digital, a falta da experiência de leitura dentro de uma livraria física foi compensada pela indicação dos amigos virtuais espalhados pelas inúmeras comunidades literárias já amplamente presentes na rede global de computadores antes mesmo do surgimento de imãs de audiência das modernas redes sociais. Pela falta de um modelo de negócios às livrarias físicas, pela concorrência predatória das livrarias ponto.com, que canibalizou a precificação dos livros, pela falta de uma regulamentação no preço de capa dos livros, a indústria editorial presenciou embasbacada a ruína de todo um mercado cultural sem nada fazer. Muitas vezes sem nada poder fazer.
O pesadelo durou exatamente uma década, até que os livreiros percebessem que, de fato, o maior perigo não era o livro digital, mas a própria Internet. Ou seja, eles estavam certos quando diziam que o livro digital, virtual ou eletrônico não acabaria com os seus negócios. Mas eles só não contavam que a Internet seria a verdadeira responsável por mudar todas as regras do jogo. O livro digital era, portanto, o efeito e não a causa. O mercado livreiro errou o prognóstico, a doença e também a cura.
Livrarias fecharam. Antigos livreiros não conseguiram formar uma nova geração de amantes do comércio do livro e a lógica mercadológica do varejo físico comum rompeu a antiga barreira existente neste mercado e imputou uma nova lógica não menos burocrática e sem rumo próprio, mas certamente menos eficaz na circulação dos livros. Os livros físicos começaram a ficar cada vez mais pesados. Os bits venceram os átomos na darwiniana luta pela sobrevivência na Era Digital. Uma nova espécie deveria nascer. O futuro forçava para uma livraria física que fosse um híbrido de café, loja de departamentos de informática ou papelaria, e com um mix de produtos e uma infinidade de bugigangas onde o livro sempre fosse um mero coadjuvante. Enquanto isso, a Internet crescia em usuários, conexões, máquinas de leitura e plataformas de livros cada vez mais intuitivas e inteligentes.
A livraria agora era a tela.
Este texto é parte do artigo “O Livro na Era Digital” baseado na palestra que Ednei Procópio ministrou em uma edição da Quinta Literária na Associação Nacional de Escritores (ANE), Brasília; e publicado, originalmente, no livro “Quintas Literárias 2017”.
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