Se um fundo setorial tivesse sido levado à sério à época de um governo democrático, a quantia total estimada de arrecadação seria hoje da ordem aproximada de R$ 109.434.300,44.
Por Ednei Procópio
No auge do último governo democrático, por volta de 2010, quando a cifra do mercado editorial alcançou os estratosféricos 6 bilhões de reais de faturamento ao ano, ao menos 3,8 dessa cifra vinha dos cofres públicos por meio de políticas voltadas ao livro.
Já adianto afirmando que, sem as políticas públicas voltadas aos livros, seríamos ainda mais analfabetos literários. A relação de interdependência mercado-governo atingiu seu auge durantes os governos democráticos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT). Importante lembrar que muitas das leis que foram criadas em defesa do livro, também foram promulgadas no período destes governos.
É nas modernas democracias que os mercados florecem. E não fossem por projetos governamentais, menos do ponto de vista político partidário e mais do ponto de vista da própria liberdade econômica, os parques gráficos deste período não teriam vivido um boom, comum em mercados globais emergentes, de uma ascensão tecnológica. Quer dizer, mais ‘tecno’ que ‘lógica’. Difícil compreender alguma lógica no que esses caras da indústria e mercado de livros fazem!
Hoje, o mercado editorial brasileiro é formado, basicamente, sem cair em generalismos, obviamente, por alguns profissionais que defendem, sem ter consciência, creio eu, o chamado Livre Mercado; seja lá o que isso possa significar na prática para eles. Não posso imaginar como seria isso no futuro, visto que o sistema capitalista cria conceitos-moda para esconder fraquezas em sua própria estrutura mas, hoje, os que defendem o tal do Livre Mercado são chamados neoliberais.
Muitos deles, por exemplo, foram os primeiros a refutar a ideia de uma lei que regulasse a precificação dos livros no país, numa atitude tão contrária que parecia nem tentar ao menos buscar compreender o que uma regulação de descontos poderia significar na prática. Refutavam a ideia da precificação, sem observar que ela nos ajudaria a equalizar nossas forças frente ao mercado global.
Enfim, nada contra o tal Livre Mercado. Em meu ver, ser liberal é, antes de tudo, defender o chamado Estado mínimo, ou seja, a atuação e a influência mínima dos governos nas coisas econômicas. A questão é que isso se se contrapõe hoje, visivelmente, ao chamado Estado Democrático de Direitos.
Eu, por exemplo, nunca escondi de ninguém que sou favorável e luto pela criação de uma Agência Nacional do Livro que regule um cenário mínimo para a sobrevivência dos pequenos e médios empreendimentos editoriais frente a estranguladora concorrência do capital monopolista estrangeiro. Quer dizer, do capital que é subtraído de nós e depois é usado para explorar o nosso próprio mercado.
Nesse momento, em um cenário de uma verdadeira guerra ideológica, ainda presencio muitos colegas do mercado editorial brasileiro defendendo o Estado mínimo, o chamado Neoliberalismo e, portanto, o tal do Livre Mercado; mas, ao mesmo tempo, sem admitir que os seus próprios negócios fossem, contraditoriamente, se não indiretamente muitas vezes de modo direto, dependentes até das chamadas compras governamentais de livros.
Então, o cenário é este: capitalistas neoliberais reclamando que o Governo não está entregando os livros nas escolas, reclamando do preço módico do livro praticado pelo Correios e defendendo menores tributos para os seus negócios livreiros. É cultural, nós brasileiros valorizamos cada pedacinho da possibilidade de sermos medíocres.
Também sou testemunha de diversos colegas do mercado que, mesmo perdendo os seus empregos, fechando suas gráficas, abrindo concordatas de suas distribuidoras, livrarias e editoras, durante aquela que é considerada a maior crise do mercado editorial, continuam defendendo o tal livre mercado como sendo este o cenário ideal para o mercado de livros no Brasil.
E não me importo com os outros mercados, falo daquele em que atuo e conheço e que tem peculiaridades sem igual comparação com os demais. Uma pequena editora em que eu atuava, por exemplo, teve de amargar a dívida de uma distribuidora e de uma grande rede de livrarias que, simplesmente, não pagaram o que deviam. O cenário é de ironias: duas grandes empresas, antes ricas, devendo grana para uma pequena editora que eles mesmos, antes, não davam a mínima atenção?
Ou seja, o livre mercado deles serve para que os grandes deixem de pagar o que devem aos pequenos!
Em 2004, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já era o Presidente deste país, o Governo desonerou tributos, como PIS e COFINS, de toda a cadeia produtiva do livro. Naquela ocasião, nosso segmento editorial foi dispensado, em média, de cerca de 9% de impostos.
A ideia, na época, era a de que nosso setor editorial com aquela desoneração de um governo fortemente progressista, contribuisse para a constituição de um fundo setorial que poderia ser usado, por exemplo, no incentivo à leitura, com uma contra partida da ordem de, ao menos, 1% do faturamento do mercado.
Só para se ter uma ideia, na época, o mercado editorial brasileiro já havia alcançado um faturamento anual de cerca de 3 bilhões [números de 2006]. Foram vendidos cerca de 310 milhões de livros naquele ano.
Porém, cerca de 60% daquele volume de compras [perto de 180 milhões] eram de livros didáticos; ou seja, a cifra real de faturamento [que poderia chegar realmente perto da casa dos 3 bilhões], na verdade, era menor que isso porque, historicamente, o governo brasileiro respondia, em valor, com um quarto a um terço da receita do mercado editorial brasileiro. Em 2006, por exemplo, foram comprados exatos R$ 731 milhões.
Portanto, enfim, em resumo, se um fundo setorial tivesse sido levado à sério à época de um governo democrático, se tivesse sido criado em 2005 a contrapartida pela desoneração dos impostos, a quantia total estimada de arrecadação seria hoje da ordem aproximada de R$ 109.434.300,44.
E não precisaríamos hoje sair por aí pedindo escolas!