Artigo escrito por Ednei Procópio sobre a questão do fechamento das livrarias físicas, principalmente aquelas chamadas “independentes”
Que tal nos especializar em promover a venda dos livros?
“Uma civilização sem livreiros de varejo seria inimaginável… as livrarias são artefatos essenciais à natureza humana. A sensação de um livro retirado de uma prateleira e seguro nas mãos é uma experiência única, que une o escritor ao leitor. E para competir com a Internet as livrarias do futuro terão de ser diferentes das megalojas voltadas para a massa que ora dominam o mercado. As lojas do futuro terão de ser o que a Internet não pode ser: tangíveis, íntimas, locais, comunitárias; oferecendo prazer e sabedoria na companhia dos que querem compartilham dos nossos interesses; onde o livro que se procura sempre pode ser encontrado e as surpresas e as tentações saltam de todas as prateleiras.” — Jason Epstein, O Negócio do Livro, 2002
A livraria do futuro ainda não consegue existir porque em minha tese o presente mercado editorial ainda vive do seu passado. Afirmar que uma livraria do futuro deve obrigatoriamente ser um ponto cultural não resolve uma equação de solução para, por exemplo, os pequenos negócios. Não só em razão do espaço físico, muitas vezes indisponível e caro por causa do mercado imobiliário, ora aquecido, ora em crise, mas também por conta das questões orçamentárias, financeiras e de recursos humanos e materiais em geral. Para equalizar questões complexas como a de tentar encontrar uma síntese para o que seria uma livraria no futuro, propomos, antes, responder a uma questão das mais básicas e fundamentais para o entendimento das partes interessadas:
Afinal, o que é uma livraria?
Simplicidade na resposta pode ajudar em muito a resolver uma série de questões em torno do assunto, principalmente para as chamadas livrarias independentes. Se os livros são digitais, a livraria também o seria; mas se os livros são impressos a livraria pode ser online ou física. Em minha tese, trato aqui das lojas físicas que vendem apenas livros impressos. Assim, segundo um dicionário, livraria é um estabelecimento onde se vendem livros. Segundo a Wikipédia, as livrarias são lojas que vendem livros e outros itens relacionados a leitura. Livraria, portanto, é um local onde se vendem livros. Mas, para não cair no risco da superficialidade, segundo o amigo Gerson Ramos [www.vivodelivro.com.br], citando uma fonte bastate segura:
“A livraria é uma empresa, como todas as unidades econômicas ou organizacionais, cujo objetivo é a produção de riqueza. Em uma economia empresarial entende-se por empresa a organização cujas características são do tipo predominantemente econômico. A livraria é, portanto, uma organização econômica, cujo objetivo é prover serviços de distribuição. Seu papel é distribuir livros, fazendo uma transformação econômica, pois os dispõe dos momentos e locais mais adequados para satisfazer demanda e as necessidades do comprador-leitor.” — La Librería Como Negócio
Mais alguma coisa que uma livraria deveria ser?
DOS EXEMPLOS CONEXOS
Houve um momento na história da indústria automobilística em que a General Motors sentiu a necessidade de unificar o processo produtivo de muitas de suas unidades, antes mais separadas e independentes, para enfrentar a modernização dos meios de transporte. O modelo que a GM queria implantar era bem diferente daquele instaurado por Ford. Fazia-se necessário inovar na customização dos carros ante a concorrência dos tipos padrões oferecidos até aquele momento. Por incrível que possa parecer, no entanto, um temor da GM naquela ocasião não eram aqueles carros todos iguais fabricados em série, mas os aviões. Sim, os aviões. O temor da gigante GM era que as pessoas parassem de andar de carro e começassem a andar de avião. Deveria a GM, então, dada a percepção desfocada, fabricar aviões? Antes de existirem os gigantescos centros de compras e, como consequência, os hipermercados, existiam os mercados de bairro, chamados hoje minimercados. Quando os hipermercados começaram a se popularizar e ganhar força de atração, o que se discutia, por volta da década de 1990, era o fim desses mercadinhos de bairro. Foi assim decretada sua morte em detrimento dos grandes centros de compras, os hipermercados, cujo modelo estava sendo importado de países de economias então mais consolidadas como os Estados Unidos. O que ocorreu, no entanto, foi exatamente o contrário, os hipermercados deram ainda mais sobrevida aos minimercados. Players como Extra e Pão de Açúcar, em estado de vertiginosa expansão, tiveram de repensar os seus negócios e também optaram por abrir mercadinhos, menores, em locais improváveis, onde jamais se poderia imaginar que pudessem aquelas marcas um dia se alocarem. Nascia assim o business “express” e marcas como Minimercado Extra. Da mesma forma que o avião [utilizado para percorrer as distâncias maiores] não acabou com a fabricação dos carros [utilizados por passageiros para percorrer as menores e maiores distâncias a custos acessíveis], o hipermercado não acabou com os mercadinhos de bairro [que continuam tendo um papel muito particular no abastecimento dos moradores locais com a venda daqueles produtos mais urgentes]. No caso de mídias como livro, poderíamos continuar a repetir os exemplos do cinema que não acabou com o teatro, da televisão que não acabou com o rádio e por aí vai. E embora o digital esteja em rota de colisão com as indústrias todas, existem questões ainda mais próximas.
A CONCORRÊNCIA INTERNA
Os exemplos nos dão uma dimensão mais acertada de como ver a questão das livrarias de um modo mais geral, amplo, globalizado. Precisaríamos, no entanto, para melhorar a nossa assertividade sobre o tema, perguntar ao próprio mercado editorial, e aqui incluímos as editoras, as gráficas, as distribuidoras, etc., se seria realmente interessante, comercialmente falando, que as livrarias menores, independentes, continuassem existindo. É importante para o mercado editorial a existência, e não a sobrevivência, dessas livrarias? Parece que o mercado editorial talvez não considere uma realidade viável e, por diversas vezes, em várias circunstâncias, ajudou a canibalizar as livrarias menores, pequenas ou independentes. Subjugou o poder de venda das menores. Favoreceu o seu enfraquecimento, para não dizer o seu real desaparecimento, em detrimento de players maiores. As pessoas em geral compram os livros porque eles estão ali, por perto, disponíveis. Mas as livrarias online, principalmente aquelas ligadas aos grandes grupos, com a sua política de precificação, enfraqueceram a livraria de rua, que permitia aquela situação corriqueira da compra por impulso. E temos que considerar que, como consequência, comprometeram também aquela rica bibliodiversidade antes existente no mundo livreiro. Em sua obra “O Negócio do Livro”, Jason Epstein afirma que:
“[…] a função primordial da lista de lançamentos é fortalecer os catálogos, um princípio que a maioria das editoras, infelizmente, ignorou por completo ante a era digital; e que as redes de livrarias atuais, por sua vez, com sua dependência dos títulos efêmeros, fazem os editores terem dificuldade em obedecer.”
Parte da equação da solução tem de considerar um problema com relação às livrarias físicas, aquelas que vendem os livros impressos, pois elas não só concorrem atualmente com as eBookStores e com as livrarias online que também vendem os títulos impressos, mas concorrem com as grandes redes, gráficas, as distribuidoras e as editoras que, pela desintermediação imposta pela revolução digital, resolveram vender, elas próprias, títulos diretamente para o público leitor. E, nesse processo, em vez de haver uma diversificação sadia de pontos de venda, houve na verdade uma guerra pela precificação do produto livro, enfraquecendo ainda mais o próprio mercado; como consequência, aquele efeito dominó, sobre as livrarias menores, principalmente essas de rua que hoje desaparecem aos montes. Embora o papel de uma livraria possa parecer, nessa minha tese, aparentemente simples, um problema apresentado é exatamente este papel ter, de certo modo, migrado para outros agentes da cadeia produtiva do livro, como as editoras, distribuidores e lojas online que não guardam compromisso com a leitura e a venda direta de livros tão bem quanto às livrarias. Em conversa com o amigo Gerson Ramos ele me alertou sobre o seguinte:
“Eddie, a questão mais urgente para o pequeno livreiro hoje é a sua sobrevivência. Isso em um primeiro momento. Mas, imediatamente em seguida, vem a questão da rentabilidade do varejista de livros; que passa primeiro por uma profissionalização de seu oficio no varejo, combinada com qualificação para ser um protagonista cultural na sua região de influência, assim como também numa visão mais abrangente do mundo, para que a livraria seja não só o ponto de encontro, mas um agente protagonista nas transformações da sociedade em que faz parte… Mas falta ao empreendedor livreiro ter a visão de que está tocando uma empresa; que exige competência administrativa, financeira, tecnológica e logística.”
Diante deste cenário, de necessidades e desafios, será que existe uma equação para se encontrar a solução para modelo de negócios sustentável para a tradicional livraria de rua? Será que as livrarias de rua, como os cinemas de rua, todas morrerão? Ou como uma fênix, que renasce das cinzas, algo poderia ser feito que revertesse uma triste morte? Enfim, o que uma livraria tradicional de rua precisa fazer para continuar existindo?
CAFÉ COM LIVRO
Segundo outro amigo — envolvido com livreiros e a quem sempre recorro buscando conselhos sobre o tema —, mas que prefere não se identificar:
“Como o pequeno livreiro vai sobreviver, perante a concorrência dos sites e dos grandes? As margens são pequenas, o giro de estoque baixo e só vão entrar na livraria física os amantes dos livros que, infelizmente, são poucos.
Há, no entanto, as possibilidades do entorno da livraria: atendimento a escolas, empresas, bibliotecas etc. Parece-me que as antigas locadoras de vídeo, hoje vendedoras de vídeos, ainda sobrevivem em cima de fundo de catálogo, que não são encontrados pra download na Web. Valeria a pena o livreiro pesquisar sobre isso.
Só está crescendo quem parte para a Web, e agrega sua expertise e renome ao site. Por exemplo, a […] está fechando várias lojas físicas e investindo pesado na construção de um site, que vai focar na bibliodiversidade de seu estoque.
Cresce também quem está atendendo o Governo, escolas etc.
E só.”
Bem, para início ou final de conversa, o que uma tradicional livraria física de rua precisa fazer para continuar existindo é… vender os livros. Simples assim. A melhor e mais eficiente maneira de promover a venda de livros é os colocando à disposição do público. A exposição por si só também já é uma promoção. Não resolve a questão maior, mais essencial, por exemplo, colocar à venda café para atrair os clientes. Sejamos óbvios, as tradicionais cafeterias, espalhadas pelas cidades, já o fazem de maneira mais eficiente. E ninguém vai a uma livraria para tomar café. As pessoas, por maior ou menor número em que se encontrem, vão às livrarias para comprar livros. Se o que se pretende é atrair clientes para uma livraria, não venda café, dê o café, de graça. Deixe as pessoas comprarem livros, não o café. O café é apenas o início de uma conversa, não é o objetivo final. O café dentro de uma livraria deve ser tratado como coadjuvante, não como o ator principal. Cafeterias vendem café, livrarias vendem livros. Se não for assim, teremos que ponderar se não seria mais interessante então vender remédios e livros; ou talvez livros e tabaco; ou quem sabe comida e livros, em vez de livros e livros. Podemos fazer uma pesquisa do que mais as pessoas gostam. Por exemplo, de animais de estimação. Chegaríamos à conclusão de que a solução seria vender livros e produtos para pets. Mas não é esse o caso porque o contrário nos pareceria mais óbvio, lucrativo e prudente, ou seja, vender livros em papelarias, pet shops, cafeterias, restaurante, etc. E por que os comerciantes em geral não fazem isso? Simplesmente porque não é comercialmente viável para os próprios pequenos livreiros. E a questão maior continua sendo a logística. Esta é uma das razões que levaria modelos mais verticais como uma livraria especializada em culinária, por exemplo, começarem a novamente ser testados. Não resolve igualmente a questão fundamental, tão pouco, colocar itens de papelaria e informática nas livrarias porque as papelarias tradicionais espalhadas pelas cidades já o fazem de maneira mais digna. Só por conta de haver escolas por perto, uma livraria teria que obrigatoriamente estar atrelada a uma papelaria? Não seria mais lógico, e rentável, para afastar a contradição, a própria papelaria vender os livros escolares? E não é exatamente o que muitas delas já o fazem? Esta é uma questão muito bem levantada por um amigo que me disse que a livraria, principalmente a independente, atualmente serve mais como vitrine para grandes grupos editorias, e sites canibais, do que como canal de vendas. E este seria um dos motivos que levaria livreiros a migrarem para a venda de outros produtos. E esta é mais razão pela qual o preço de capa do livro no Brasil deveria realmente ser fixado em uma tabela de preço único. Indo um pouco além e já forçando ainda mais a barra. Teatro, cinema, eventos culturais, etc., podem se tornar inviáveis dentro da maioria dos negócios de livrarias físicas menores, se formos honestos, se pensarmos que se um determinado empreendedor não tem espaço físico para sequer colocar os livros; e concluirmos que os aparelhos de cultura também já têm os seus próprios desafios. Cinema, eventos culturais, etc. já têm os seus espaços devidamente ocupados nas cidades. Cada um com os seus problemas e concorrências próprios. Não faz sentido algum convencer o livreiro menor, aquele que deveria ser o especialista em livros, de que ele agora é obrigado a tornar-se um aparelho de cultura, como se apenas vender livros já não bastasse para tornar-se um. E ainda que a iniciativa de uma livraria de pequeno porte vencesse estas questões dita culturais, não nos indicaria a segurança de um business sólido, uma vez a própria biblioteca, o museu, o ateliê, a galeria, o teatro, privados, também não conseguem apresentar modelos de negócios consistentes. Estes outros negócios culturais muitas vezes também não conseguem consolidar um modelo sustentável mais eficiente e perdem até os seus próprios papéis sociais. Neste sentido, proponho voltarmos ao básico. Se você é um pequeno livreiro e pretende vender livro, então esqueça todo o resto e se concentre naquilo que deveria fazer uma verdadeira livraria: promover a venda de livros. Quer saber mais como fazer isso? Comece lendo um bom livro, “La Libreria Como Negócio”, indicação que me foi sugerida por quem entende do assunto.
UMA MENTIRA QUE SE CONTA VÁRIAS VEZES
Temos de repetir diversas vezes para ficar bem claro: o futuro da livraria do futuro é ser dolorosamente simples, um ponto comercial que vende livros. Se não puder ser pelo menos isso, então nós realmente temos um problema. Há um motivo para que eu seja tão repetitivo em defesa de minha tese. O ditado popular afirma que uma mentira contada várias vezes se torna uma verdade. Mas não é verdade que o brasileiro não lê. Embora seja verdade que não existem consumidores o bastante para comprar livros e manter alguns pontos de venda. No entanto, quatro títulos foram a média lida por pessoas em 2011. Não é verdade que o livro no Brasil é caro, embora ajustes no preço de capa sejam obviamente necessários. Há números que demonstram que os preços vêm se tornando mais populares nos últimos anos. Alguns podem discordar, mas talvez a verdade seja o fato de que o livro em nosso país não tenha o seu devido valor. De qualquer modo 5,26% foi quanto o faturamento do setor cresceu em 2011. Sessenta e cinco por cento dos brasileiros compram livros em livrarias. Nossas fontes, o “Retrato da Leitura no Brasil” e o “Levantamento Anual do Segmento de Livrarias”, da Associação Nacional de Livrarias [ANL], nos mostram que há até cerca de 3.000 lojas em operação no Brasil. Meio milhões de obras foram vendidas em 2011. Sessenta mil títulos foram publicados no mesmo período. Trinta e três por cento das livrarias faturaram até 10 milhões. Vinte por cento faturaram de 10 a 20 milhões. Vinte por cento das livrarias faturaram acima dos 20 milhões. Tenho consciência de que os números são velhos mas, acredite, nada mudou desde lá. Houve uma estagnação generalizada desde então e, nosso pior pesadelos, as coisas só estão piorando cada vez mais. Neste cenário, façamos um exercício. Pense no seguinte, vamos supor que, eventualmente, para que o Governo enviasse incentivos fiscais, investimentos financeiros, às livrarias, para salvá-las do seu leito de morte, existisse paralelamente associada uma lei que obrigasse as livrarias a venderem essencialmente os livros. Apenas os livros. Faria sentido isso? Faria algum sentido hipoteticamente, como gostariam alguns, o Governo incentivar livrarias que lucrassem com a venda de cartões de créditos para celulares pré-pagos ou cigarros, por exemplo? Pense um pouco mais, porque é assim com as bancas de jornal, e alguns governos locais até tentam mudar este cenário permitindo que estas bancas possam vender até macarrão instantâneo. Muitos ‘entendidos’ do mercado dirão, logo de cara, que não, que não faria sentido, em plena modernidade, que as livrarias vendessem apenas os livros. E estes são os mesmos que sempre foram contra o projeto de lei do preço único no Brasil, são os que, lá no fundo, também morriam de medo do livro eletrônico. Mas o livro eletrônico ainda pode dar certo, mas e as livrarias físicas?
QUITANDA DE LIVROS
Debater livro eletrônico aqui beiraria a covardia. Então voltamos ao básico, para não fugir do óbvio. As pessoas saem de casa para comprar as coisas. Elas passeiam e trafegam nas ruas. Não é verdade que toda a audiência de pessoas esteja somente dentro dos shoppings. Como se só as pessoas que andam nos shoppings tivessem dinheiro e estivessem dispostas a gastar. As pessoas, geralmente, com ou sem dinheiro, letradas ou não, não vão aos shoppings para comprar livros. Elas eventualmente compram livros porque os livros estão lá, como já dito, à venda. É isto, existem livros ali sendo ofertados. E não estão sós, estão rodeados por uma infinidade de outros produtos que inclusive dispersam a atenção dos chamados potenciais consumidores. Vender outros tipos de produtos com a desculpa de que precisa desta muleta para vender os livros não resolve o problema. Ou se vendem os livros ou não se vendem os livros, não existe o meio termo, do tipo, “me vê um quarto de café e dois capítulos daquela obra ali”. E se o modelo de uma livraria não suporta o custo de um shopping, uma alternativa poderia ser a daquele case que vende livros infantis nos corredores, uma livraria Express — modelo já testado por uma franquia que parece ter mudado de ramo; caso contrário, o projeto de uma livraria menor precisa estar alocado pelo menos em um local onde as pessoas estão passando, trafegando, passeando. Mas não necessariamente dentro dos shoppings. Se as pessoas passeiam pelas ruas, e podem consumir livros tanto quanto os consumidores que passeiam pelos shoppings, e se o modelo das grandes redes é na verdade vender produtos de informática ou papelaria, então qual é o verdadeiro problema das livrarias de rua? Segundo o mestre Epstein, em seu clássico “O Negócio do Livro”:
“No comércio de livros, como em qualquer negócio de varejo, estoque e aluguel impõem o chamado trade-off. Ou seja, quanto mais se paga por um, menos se pode gastar com o outro. Os aluguéis nos shoppings impossibilitavam a estrutura varejista que se desenvolveu de mãos dadas com a indústria editorial por quase dois séculos… a ocupação de alto custo nos estabelecimentos dos shoppings exige alta rotatividade de produtos indiferenciados, taxas de giro incompatíveis com a longa, lenta e com frequência errática vida dos livros…”.
Parece-nos, portanto, que as editoras e as livrarias terão de optar por sentar em uma mesa para negociar planos futuros para as livrarias de rua, ou finalmente romper de uma vez por todas o cordão umbilical que possibilitava a ambas a venda casada dos livros. Mas em qual das tantas entidades do livro existentes neste país, estaria esta mesa de negociações? Na Associação Brasileira do Livro Eletrônico? Não. Portanto, já disse e repito, é preciso haver uma federalização das entidades. A solução é a criação da Federação Brasileira do Livro.
UM FOCO PARA FINALIZAR
O que aconteceria se a GM resolvesse apostar na fabricação de aviões? Parece-me que perderia o foco. E este é o maior problema do mercado brasileiro atual. Falta um ajuste de foco nas lentes dos óculos dos diretores das empresas editoriais. Muitos estabelecimentos comerciais, por exemplo, vendem barras de chocolates. Desde padarias, restaurantes, aeroportos, cinemas, etc., até as farmácias, camelôs e ambulantes vendem os chocolates. Mas então por que cases como a CacauShow são um sucesso? Seria o foco? Afinal, não é porque vivemos em um país tropical que as pessoas não consomem chocolates. Assim como não é verdade que o fato de uma parcela da população ser analfabeta elimina a possibilidade da outra parcela, letrada, comprar os livros. E mesmo que alfabetizássemos todos os brasileiros que não sabem ler, não poderíamos garantir com segurança que todos eles comprariam os livros. E os tais chocolates da CacauShow vendem porque são ofertados como presentes. Portanto, voltamos novamente ao básico. Deixe que os mercados em geral que vendam fósforos, cigarros, bebidas, etc. Deixe que aquela grande rede online lucre mais com os televisores de alta definição, ou com venda de filmes, do que com os livros. Porque se uma determinada livraria vende mais outras coisas, literalmente, em detrimento do livro, cinquenta por cento a mais, por exemplo, trata-se então de qualquer outro ponto comercial, não de uma livraria. O livro, para estes grandes empreendimentos, é apenas um cartão de visita, uma isca, nada mais. Mas, para o pequeno livreiro, não adianta usar de subterfúgios se o objetivo é vender livros. Caso contrário, fique com o outro tanto, lucre com o resto e esqueça os livros. Se os livros não se vendem, então abrir uma quitanda talvez seja a melhor saída. Pode parecer radical, mas o cinismo também é um artifício de convencimento, algum consultor poderia apostar na brilhante ideia de vender frutas, verduras, legumes… e livros de culinária. Mas não ia funcionar porque as donas de casa não vão aos supermercados ou a feiras livres, grandes ou pequenas, para comprar livros. O fato é que borracharias, mecânicas e autoshoppings não vendem livros sobre carros por uma razão muito simples, as pessoas que gostam de carros e querem comprar livros sobre os carros geralmente recorrem às livrarias mesmo sabendo poder encontrar livros em outros locais. Podem até tentar, mas o melhor lugar para se comprar fisicamente os livros impressos continua sendo uma livraria. O melhor lugar para comprar pão é na padaria. Assim como o melhor lugar para se comprar vinho é na adega. O melhor lugar para se jantar é em um restaurante, dentro ou fora de um shopping, não importa. O melhor lugar para assistir a um filme, apesar da era do home theater, continua sendo a sala de cinema. Onde é o melhor lugar para se comprar perfumes? Assim como se torna legítimo afirmar que o melhor lugar para se tomar sol é na praia, na piscina, num clube ou num rio, mesmo que o sol esteja presente na maior parte do nosso planeta. Um escritor poderia demonstrar em uma cena de um best-seller como o sol também aquece as livrarias, mas nem por isso as pessoas iriam às livrarias para tomar sol. Um amigo, bem mais radical que eu, um dia me disse: “Eddie, não confunda melancolia profunda, com melancia na bunda”. Pareceu-me bem desconfortável quando eu ouvi a sentença a primeira vez, mas ele tinha razão. Afinal, o livro impresso consegue estar fisicamente presente em todos os lugares, com um modelo de negócios sem um foco definido? Não. É claro que não. Assim mesmo, o papel social fundamental de uma livraria física, para que não pairem mais dúvidas sobre o assunto, é o de vender os livros. Concessionárias geralmente vendem os carros, embora possam também vender as peças dos automóveis. Tabacarias vendem cigarros, cachimbos, etc., embora possam vender tabuleiros de xadrez. Borracharias geralmente cuidam dos pneus dos carros, embora possam também manter bons lava-jatos anexos logo ali do lado. Pequenos mercados de bairro geralmente vendem itens do lar, como comida, tempero, macarrão, embora também possam vender cobertores e edredons. E por que não o fazem? E por que as lojas especializadas em sapatos também não vendem matéria-prima como borracha e couro, ou consertam os sapatos, ou mantêm os engraxates por perto? Desde o desenvolvimento do negócio livreiro, com o aprimoramento da máquina de tipos móveis pelo gênio copiador de ideias, o alemão Gutenberg, até o nascimento das livrarias online, o papel fundamental de uma livraria é um só. Se uma livraria não puder vender livros, essencialmente os livros, então chegamos à conclusão de que a livraria realmente morreu como negócio. O que nasce, depois disso, será qualquer outra coisa, menos uma livraria.
Por Ednei Procópio | Publicado originalmente em Blog do Galeno | Edição 313 – 30 de agosto a 07 de setembro de 2013
Ednei Procópio é escritor e Editor especialista em livros eletrônicos desde 1998