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Quatro Discos (foda) dos Engenheiros

Engenheiros do Hawaii é sinônimo de uma fase inspiradíssima do rock brasileiro. Surgida em 1984, na cidade de Porto Alegre (RS), a banda despontou no cenário musical trazendo letras inteligentes, arranjos elaborados e uma mistura singular de rock progressivo, pop e elementos regionais.

Seus integrantes clássicos — Humberto Gessinger, Augusto Licks e Carlos Maltz — ajudaram a definir a sonoridade e a identidade de um grupo que atravessou gerações com hits e reflexões que marcaram a história da música nacional.


As Origens da Banda

A história dos Engenheiros do Hawaii começou quase como uma brincadeira universitária. Humberto Gessinger (na época estudante de Arquitetura na UFRGS), Carlos Maltz (aluno de Psicologia) e outros colegas formaram o embrião da banda para participar de um festival interno. Sem pretensões, acabaram conquistando o público local com letras bem-humoradas e um espírito crítico que chamava atenção.

Em 1986, veio o primeiro álbum, Longe Demais das Capitais, cuja repercussão abriu portas para a banda fora do Rio Grande do Sul. Naquele momento inicial, a formação incluía, além de Gessinger e Maltz, Marcelo Pitz (baixo) e Carlos Stein (guitarra). A entrada de Augusto Licks se deu pouco tempo depois, transformando o grupo na formação que muitos fãs consideram a “clássica”: Gessinger, Licks e Maltz. Com um entrosamento único, essa trinca lapidou o som da banda e deslanchou nacionalmente.


Os Integrantes da Formação Clássica

Humberto Gessinger
Humberto Gessinger

Humberto Gessinger

Vocalista, baixista, guitarrista, tecladista e principal compositor da banda, Gessinger é o rosto e a voz dos Engenheiros. Suas letras, repletas de ironia, filosofia e reflexões sobre a sociedade, marcaram época. Ele transitou por diversos instrumentos ao longo dos discos, sempre mantendo como forte característica os arranjos melódicos e as linhas de baixo elaboradas.

Augusto Licks
Augusto Licks

Augusto Licks

Guitarrista virtuoso, Augusto Licks trouxe um refinamento técnico que ajudou a alçar os Engenheiros a um novo patamar musical. Seus solos e riffs característicos imprimiram identidade às canções do grupo, principalmente nos álbuns finais da década de 1980 e início de 1990. A química entre Licks e Gessinger no palco ficou famosa tanto pela precisão técnica quanto pela energia.

Carlos Maltz
Carlos Maltz

Carlos Maltz

Baterista e letrista eventual, Maltz era o integrante que agregava uma certa dose de espiritualidade e filosofia nas discussões da banda. Com estilo próprio na bateria e intervenções criativas nas músicas, ajudou a dar o peso e a cadência das faixas mais marcantes. Além disso, compôs algumas canções que evidenciam seu lado mais introspectivo.


Quatro Discos Foda

Os Engenheiros do Hawaii produziram uma sequência de álbuns bastante emblemáticos nessa formação, cada um refletindo a evolução e as experimentações sonoras do trio. Aqui, trago quatro discos, dois da década de 80 e dois da década de 90.

A Revolta dos Dândis (1987)

A Revolta dos Dândis (1987)

Lançado em 1987, A Revolta dos Dândis não é apenas o segundo álbum dos Engenheiros do Hawaii — é o ponto de virada que solidificou o power trio como um dos grandes nomes do rock nacional. Se, em Longe Demais das Capitais, a banda apresentava seus primeiros traços de ironia, crítica social e melodias marcantes, neste disco Humberto Gessinger, Carlos Maltz e o recém-chegado Augusto Licks mergulham de cabeça na sonoridade que marcaria uma geração.

O título sugestivo já dá pistas: a “revolta” aqui é menos sobre protestos barulhentos e mais sobre rebelião interior, transformada em arte e poesia. As faixas têm um tom reflexivo, convidando o ouvinte a pegar a estrada rumo a questionamentos profundos sobre identidade, liberdade e sociedade. Esse tom fica evidente em canções como “Infinita Highway”, que se tornou um hino não apenas do álbum, mas de todo o rock oitentista brasileiro. Quem nunca se pegou cantando o refrão enquanto pensava em desbravar horizontes e seguir o próprio caminho?

A entrada de Augusto Licks na guitarra trouxe uma nova camada de sofisticação. Seus solos e riffs precisos criaram uma atmosfera diferente, quase progressiva, por trás das letras cortantes de Gessinger. Faixas como “Refrão de Bolero” e “Pra Ser Sincero” soam mais maduras, equilibrando o peso do rock com a delicadeza e a melancolia típicas das reflexões sobre relacionamentos e anseios da vida moderna.

A parceria entre Gessinger e Licks, apoiada pela batida firme e criativa de Carlos Maltz, transformou cada música em uma viagem única. Das faixas mais rápidas e incendiárias às baladas que convidam à contemplação, há um fio condutor que permeia todo o disco: a busca pelo novo, pelo autoconhecimento e pelas verdades que ainda não foram ditas.

Para além das letras e da musicalidade, A Revolta dos Dândis representa o momento em que os Engenheiros do Hawaii quebram barreiras de rótulos. Não eram apenas “rock gaúcho” ou “banda de letras complicadas”: passaram a ser referência de inovação no cenário nacional, conectando a poesia urbana do fim dos anos 1980 a uma sonoridade capaz de dialogar com os mais variados públicos. E é essa riqueza de elementos — a mistura de guitarras elaboradas, baixo marcante, bateria inventiva e um vocal que alterna entre ironia e suavidade — que faz o disco soar tão atual mesmo décadas depois do seu lançamento.

Em suma, A Revolta dos Dândis é um marco. Não só pela popularidade de canções que viraram clássicos, mas principalmente por ter sido um passo corajoso em direção a uma nova identidade musical. Foi ali que Gessinger, Licks e Maltz mostraram que ser “dândi” — no sentido de olhar o mundo com certa dose de rebeldia filosófica e ousar criar algo diferente — podia muito bem ser a arma mais poderosa contra a mesmice. E quem escuta o álbum hoje ainda sente essa energia, essa vontade de transcender limites e, de alguma forma, revolucionar.

Ouça o que Eu Digo Não Ouça Ninguém (1988)

Ouça o que Eu Digo: Não Ouça Ninguém (1988)

Lançado em 1988, Ouça o que Eu Digo: Não Ouça Ninguém marca o terceiro passo na jornada dos Engenheiros do Hawaii, e, ao mesmo tempo, um salto ousado para fora de qualquer padrão pré-estabelecido. O nome do disco, repleto de uma ironia que se tornaria marca registrada da banda, sintetiza a proposta: convidar o ouvinte a refletir sobre o que está sendo dito e, paradoxalmente, a não levar nada como verdade absoluta. É esse tom contestador, que brinca com a ideia de autoridade, que conduz cada faixa.

A sequência de acordes de abertura já deixa claro que o trio — formado por Humberto Gessinger, Augusto Licks e Carlos Maltz — está em plena evolução depois do sucesso de A Revolta dos Dândis (1987). Se antes a banda explorava a estrada infinita de questionamentos filosóficos e existenciais, agora o foco recai sobre a crítica social e as relações de poder. As letras propõem uma espécie de jornada interior, onde cada canção revela camadas de inconformismo, reflexão política e, claro, aquela dose de poesia urbana que só os Engenheiros pareciam dominar.

A guitarra de Licks, sempre precisa e envolvente, cria texturas que ora soam mais progressivas, ora mais diretas, como se respondessem às provocações das letras. Enquanto isso, Gessinger equilibra linhas de baixo e vocais que transitam entre a sutileza e a explosão — uma dicotomia que o álbum explora de forma magistral. A bateria de Maltz, por sua vez, sustenta uma cadência firme, quase hipnótica, mas com espaços para intervenções criativas, refletindo a inquietação presente em cada verso.

Faixa como “Nunca se Sabe” exemplifica bem essa receita de rock reflexivo — questionando padrões, convidando à liberdade de pensamento e apontando para a complexidade dos relacionamentos humanos e sociais. A banda dialoga com o ouvinte de forma direta, mas sem abrir mão de metáforas e imagens poéticas que despertam a imaginação. É exatamente nesse ponto que Ouça o que Eu Digo: Não Ouça Ninguém se destaca: equilibra um senso crítico aguçado, típico das bandas de rock oitentistas, com arranjos elaborados que já apontam para a sofisticação progressiva que se tornaria mais evidente nos trabalhos seguintes.

O clima do álbum é de provocação constante — como se cada faixa fosse um convite para repensar o mundo e se reposicionar dentro dele. Há uma energia inquieta, quase subversiva, que pulsa nas guitarras, nos refrãos e nos momentos de calmaria. É uma obra que parece dizer: “Esteja atento, questione tudo e, principalmente, não aceite verdades fáceis”.

No fim das contas, Ouça o que Eu Digo: Não Ouça Ninguém consolida os Engenheiros do Hawaii como uma banda que não tem medo de explorar novos territórios e cutucar feridas sociais. É um disco que soa como manifesto e que, décadas depois, continua inspirando quem busca mais do que simples entretenimento na música — quem, afinal, quer um empurrãozinho para pensar por conta própria, mesmo que seja para discordar de tudo. Um verdadeiro convite ao senso crítico, embalado em melodias que não saem da cabeça e letras que insistem em latejar na consciência.

Várias Variáveis (1991)

Várias Variáveis (1991)

Lançado em 1991, esse eu comprei na Galeria do Rock, Várias Variáveis surge como um tipo de enigma musical na discografia dos Engenheirosi. À primeira vista, o título já nos sugere um mergulho em múltiplas possibilidades sonoras e conceituais — como se cada faixa do disco fosse um pequeno experimento, um fragmento de um todo maior. Na prática, é exatamente o que se encontra: uma banda no auge de sua criatividade, disposta a explorar novos caminhos sem perder a identidade que havia conquistado um público fiel.

Ainda em sua clássica formação, o trio composto por Gessinger, Licks e Maltz reafirma a química singular que vinha de álbuns anteriores, mas, desta vez, com uma atmosfera um pouco mais reflexiva. As letras continuam cheias de ironia e filosofia, porém encontram mais espaço para a introspecção, para questionamentos pessoais e sociais que só o início de uma nova década poderia trazer. Gessinger está ainda mais à vontade para costurar temas e referências, do existencialismo às crônicas urbanas, enquanto Licks e Maltz dão forma às ideias com arranjos detalhistas e batidas inventivas.

Várias Variáveis apresenta uma dualidade interessante: ao mesmo tempo que algumas canções trazem melodias radiofônicas e refrões fortes — como a apaixonante “Piano Bar”, que se tornou um clássico imediato —, outras faixas são quase como experimentos, brincando com ritmos e estruturas diferentes. As guitarras de Licks passeiam entre o rock progressivo e o pop, sempre com aquela precisão cirúrgica característica do músico, enquanto o baixo de Gessinger e a bateria de Maltz se alternam entre a simplicidade cativante e passagens mais elaboradas.

Há um certo clima de transição nesse álbum que, como se a banda estivesse buscando um lugar novo para se estabelecer, sobretudo depois do sucesso de O Papa É Pop (1990). É possível perceber influências variadas — uma pitada de folk, um aceno ao rock clássico, elementos de música regional gaúcha — tudo costurado pelas letras sempre carregadas de metáforas e trocadilhos inteligentes. Se há uma linha condutora para Várias Variáveis, é justamente a vontade de não se prender a fórmulas, de manter o ouvinte atento a cada virada de compasso, a cada verso que possa conter uma nova descoberta.

O resultado é um álbum que convida a pensar e sentir ao mesmo tempo, uma mescla harmônica entre reflexão e prazer estético. E mesmo com a densidade das mensagens e das camadas musicais, o disco não deixa de ser acessível. Afinal, essa é uma das maiores forças dos Engenheiros do Hawaii: transformar inquietações filosóficas e sociais em canções capazes de tocar tanto a mente quanto o coração, trazendo um público diverso para refletir junto.

Várias Variáveis, portanto, não é apenas uma coleção de faixas marcantes; é um registro honesto de uma banda que ousa se reinventar dentro do próprio estilo. Cada música se torna um pequeno universo onde a tríade Gessinger-Licks-Maltz experimenta sonoridades e provoca o ouvinte a enxergar o mundo de forma diferente. No fim, fica aquela sensação de que, por mais que existam inúmeras variáveis em jogo, o ponto de equilíbrio está na coragem de explorar, sem medo de arriscar — um verdadeiro sopro de inspiração para quem se permite viajar nesse caldeirão de possibilidades musicais.

Gessinger, Licks & Maltz (1992)

Gessinger, Licks & Maltz (1992)

Lançado em 1992, esse eu também comprei na Galeria do Rock, Gessinger, Licks & Maltz é mais do que um simples disco dos Engenheiros: é uma declaração de identidade e unidade criativa. O título, estampando os sobrenomes dos três integrantes — Humberto Gessinger, Augusto Licks e Carlos Maltz —, já antecipa a intenção de celebrar o entrosamento que vinha sendo lapidado desde os álbuns anteriores. E o resultado não decepciona: cada faixa é uma pequena amostra de como letras inspiradas, guitarras certeiras e uma base rítmica pulsante podem se fundir para criar um universo musical único.

Assim que a primeira música começa, sente-se o clima de cumplicidade entre os músicos. A banda mergulha em temas que transitam entre a crítica social, a filosofia cotidiana e a introspecção — elementos característicos do trio. A guitarra de Augusto Licks mantém sua assinatura, equilibrando passagens melódicas com riffs marcantes; a bateria de Carlos Maltz pulsa forte, guiando cada faixa com segurança e nuances criativas; enquanto o vocal e baixo de Humberto Gessinger costuram tudo com letras cheias de ironia, reflexões e aquela pitada de poesia urbana que só os Engenheiros do Hawaii conseguem imprimir.

Há, no disco, um equilíbrio marcante entre canções mais diretas e outras que flertam com a progressividade — herança do gosto da banda por arranjos elaborados. “Parabólica” desponta das demais faixas que dialogam com o grande público, trazendo refrões fortes e melodias que grudam na memória. As demais canções, inclusive, apresentam construções mais experimentais, remetendo ao caráter inquieto que acompanha o grupo desde o início. Essa mescla de acessibilidade pop com complexidade musical e lírica faz de Gessinger, Licks & Maltz um álbum em que cada audição revela um detalhe novo.

O clima geral é de maturidade. Dá para sentir que, após a explosão criativa dos trabalhos anteriores, o trio busca ir além: há uma preocupação não só com o que está sendo tocado, mas também com o que está sendo dito. As letras são reflexões sobre as contradições do mundo, as relações humanas e o lugar do indivíduo em meio à velocidade das transformações sociais. Contudo, nada disso é apresentado de maneira pesada ou panfletária; a força das composições está justamente na sutileza, nos trocadilhos inteligentes e na poesia que convida a pensar.

Gessinger, Licks & Maltz acabou se tornando um dos álbuns mais icônicos da história dos Engenheiros do Hawaii porque registra a formação clássica em total harmonia — cada um contribuindo com o melhor de si. É um trabalho que representa a essência de um período de ouro do rock brasileiro, quando bandas buscavam criar identidade própria e falar direto ao coração (e à mente) de seus ouvintes. E, mesmo décadas depois, o disco permanece atual, pois continua convidando a refletir, questionar e — por que não? — se deixar levar pelo prazer de descobrir nuances musicais.

No fim das contas, o álbum é uma afirmação de que, quando a arte é fruto de conexões verdadeiras, ela se torna atemporal. Gessinger, Licks & Maltz é daqueles registros que se ouve com o corpo e com a alma, absorvendo cada verso e cada nota, lembrando a todos por que os Engenheiros do Hawaii chegaram tão longe: não pela fama fácil, mas pelo poder de criar canções que falam direto ao espírito crítico e sensível de quem as escuta.


O Legado da Banda

Mesmo com as mudanças de formação ao longo dos anos, a era Gessinger, Licks e Maltz permanece como uma das mais aclamadas por público e crítica. O modo como os Engenheiros do Hawaii equilibraram poesia, consciência social e melodias marcantes influenciou toda uma geração de bandas que surgiu nos anos 1990 e 2000 no Brasil.

Canções como “Infinita Highway”, “Terra de Gigantes” e “Somos Quem Podemos Ser” continuam ecoando nos corações de fãs antigos e novos, provando que a música do trio transcende modismos e permanece relevante. Até hoje, Humberto Gessinger segue ativo, lançando trabalhos solo e mantendo acesa a chama do rock que tantos admiradores conquistou.

Em suma, Engenheiros do Hawaii é a prova de que, quando se combinam talento, criatividade e reflexões profundas, nasce uma obra duradoura. A fase clássica de Gessinger, Licks e Maltz não apenas moldou a identidade do grupo, mas cravou o nome dos Engenheiros do Hawaii na história da música brasileira, onde permanecerão como uma referência essencial do nosso rock.


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